"Quando descemos o 'rating', em março de 2020, o ambiente era muito diferente, Angola enfrentava múltiplos choques externos provenientes da queda do petróleo e da pandemia, isso teve severos impactos, e foi parcialmente graças à Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) e acordos de reestruturação com a China que tiveram algum espaço para respirar", disse Zahabia Gupta em entrevista à Lusa.
"Agora, o que vemos é que a maré mudou, o ambiente externo é muito mais favorável, os preços do petróleo estão melhores do que o que esperávamos, e isso fez a taxa de câmbio evoluir muito favoravelmente, os níveis da dívida desceram mais de 55 pontos percentuais do PIB desde o ano passado, colocaram em prática reformas muito difíceis dese 2017, como a liberalização cambial, o IVA, alargaram a base tributária, e apertaram muito na despesa, e agora estão a começar a ver os benefícios dessa reforma", acrescentou a analista.
Em entrevista à Lusa na sequência da melhoria do rating de Angola, de CCC+ para B-, Zahabia Gupta alertou, ainda assim, que a melhoria na economia é temperada com vários riscos relativamente ao endividamento e às finanças públicas.
"Ao mesmo tempo, há riscos significativos de crédito; os níveis de repagamento de dívida externa são bastante altos, e vão aumentar para mais de 6 mil milhões de dólares de 2023 em diante e isso é um risco porque significa que precisarão de ter acesso ao mercado e financiamento adicional dos credores atuais para fazerem face a estas necessidades", apontou.
A S&P considera que Angola já deixou a recessão em que estava mergulhada desde 2016, tendo registado em 2021 um ligeiro crescimento de 0,2%.
"Estando seis anos em recessão, basta o efeito base para começarem a crescer; estimamos que o PIB tenha crescido 0,2% em 2021, e a grande razão para isso é que, como a produção petrolífera caiu 12%, foi o setor não petrolífero que sutentou a economia e motivou um ligeiro crescimento", afirmou, apontando que a economia não petrolífera, como a agricultura, diamantes, comércio e pescas, "será o principal motor da recuperação".
Reformas foram fundamentais
A analista da agência de notação financeira Standard & Poor's (S&P) que segue Angola considerou, que a implementação das reformas estruturais pelo Governo foi crucial para a melhoria do 'rating' do país.
"O aspeto das reformas foi fundamental para a melhoria do rating", disse Zahabia Gupta em entrevista à agência Lusa, na semana a seguir à S&P ter melhorado a opinião sobre a qualidade do crédito soberano de Angola, de CCC+ para B-.
"O Governo esteve muito empenhado no programa de reformas, tiveram um programa com o Fundo Monetário Internacional (FMI), e vimos o governo a implementar reformas muito difíceis; o impacto imediato foi muito duro para eles, porque a inflação subiu para dois dígitos em vários anos, e a pobreza é muito alta no país, a população sentiu alguma dor, mas do lado orçamental estiveram muito empenhados em cortar a despesa e aumentar a base tributária, e estão a ver os resultados disso", disse a analista.
Questionada sobre a capacidade de Luanda manter o ritmo de reformas em ano eleitoral, Zahabia Gupta admitiu que os anos eleitorais são sempre mais difíceis, quer em termos de medidas reformistas, quer em termos de manutenção do equilíbrio nas contas públicas, mas salientou que esses 'perigos' estão já incorporados nas previsões.
"Há vários riscos nas reformas; um é que o programa do FMI acabou, e servia de âncora política, teremos de ver o empenho nas reformas sem o FMI este ano; o segundo risco é que há eleições, e isso cria pressão para uma despesa adicional, vemos uma frente unida na oposição, com esporádicos protestos por causa da economia, há a possibilidade de o governo gastar mais para apaziguar a população, mas isso está embutido nas nossas previsões, isto é, antevemos algumas derrapagem, mas esperamos, no geral, que continuem as reformas para diversificar as fontes de receitas e a economia", respondeu a analista.
Sobre a possibilidade de Angola negociar com o FMI outro programa de ajustamento financeiro, depois dos 4,5 mil milhões de dólares (3,9 mil milhões de euros) recebidos nos últimos três anos, Zahabia Gupta afirma que isso não é provável.
"O governo não pediu outro programa, em termos de necessidades de financiamento as autoridades consideram que não precisam de mais fundos, têm almofadas orçamentais suficientes em reservas externas e os preços do petróleo estão a 90 dólares por barril, apesar de a nossa estimativa ser de 75 dólares por barril para o conjunto do ano, mas a este nível acham que não precisam de mais financiamento", disse a analista.
Ainda assim, admitiu que "o governo pode escolher adotar um programa não financiado do FMI que sirva de âncora política e aumente a confiança dos investidores".
Angola planeia voltar aos mercados internacionais de dívida já este trimestre, emitindo um valor indicativo de 2,8 mil milhões de dólares, cerca de 2,4 mil milhões de euros, de acordo com o plano de endividamento publicado este mês.