Os autores do estudo "Segurança, Soft Power e Apoio ao Regime: Esferas da Influência Russa em África” recordam como 17 países africanos se opuseram ou se abstiveram em 02 de março a uma resolução da Assembleia-Geral da ONU que condenava a invasão e exige a retirada imediata das tropas russas.
A Eritreia votou contra, 16 abstiveram-se (Argélia, Angola, Burundi, República Centro-Africana, República do Congo, Madagáscar, Mali, Moçambique, Namíbia, Senegal, África do Sul, Sudão do Sul, Sudão, Uganda, Tanzânia e Zimbabué) e nove (Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Burkina Faso, Essuatíni, Etiópia, Guiné-Conacri, Marrocos, Camarões e Togo) não participaram na votação.
Ao evitar condenar as ações da Rússia na Ucrânia, aqueles países africanos mostraram "que o Reino Unido, a Europa e os Estados Unidos não podem tomar o apoio africano como garantido” e que o continente africano "deve estar na primeira linha do foco estratégico mais amplo do Ocidente”.
Segundo o estudo, os países ocidentais devem "servir como um contrapeso estabilizador” ao regime do Presidente Vladimir Putin, o qual acusa de ganhar influência com "ferramentas não oficiais, assimétricas e fora da lei”, como mercenários, tecnologia de desinformação e agentes ligados ao Kremlin.
"Estes métodos de influência são de custo relativamente baixo e evitam qualquer necessidade de manter parcerias diplomáticas, económicas e de segurança tradicionais com nações africanas, ao mesmo tempo que permitem ao Kremlin negar qualquer intervenção”, refere o relatório do Instituto Tony Blair para a Transformação Mundial.
Enquanto parceiros como os Estados Unidos, Europa e China promovem "nações fortes, estáveis, seguras e prósperas”, a estratégia de Moscovo favorece a insegurança e má governação.
"A instabilidade dá à Rússia as condições para fortalecer os laços com os líderes africanos sob o pretexto de propor soluções de curto prazo e pesadas para problemas sistémicos profundos e complexos”, avisa o estudo, escrito por Emman El-Badawy, Sandun Munasinghe, Audu Bulama Bukarti e Beatrice Bianchi.
A indústria de armamento russa tem vindo a ganhar mercado no continente nas últimas duas décadas, sobretudo em Angola, Argélia, Egito e Sudão, situação que pode prejudicar a aplicação das sanções internacionais a produtos russos na sequência da invasão da Ucrânia.
Geopoliticamente, a crescente influência e presença da Rússia em países do norte de África e Médio Oriente, o que pode ameaçar a NATO em tempos de crise.
"Ao garantir o acesso portuário em África ao longo do Mar Vermelho através do Porto Sudão, e com perspetivas de garantir o acesso ao Porto de Tobruk, na Líbia, a Rússia pode posicionar-se para interromper a passagem naval e marítima ao longo do Mediterrâneo central e oriental e estabelecer aeródromos costeiros que tornar possível o movimento mundial de aviões russos”, salienta-se no relatório.
A influência na Líbia e no Sahel permite também o acesso a duas principais rotas africanas de migração e tráfico humano, que podem ser uma arma para provocar crises humanitárias e políticas para a Europa em tempos de hostilidade, refere.
“Enfrentar a Rússia em África é essencialmente uma batalha de visões de mundo. A Rússia está a implementar a visão de Putin de uma ordem mundial internacional pós-liberal em África, uma estratégia dissimulada pela retórica anticolonial do velho mundo”, enfatiza.
O relatório recomenda, entre outras estratégias, o empoderamento da sociedade civil, acelerar as políticas de transformação económica e industrialização africanas e reforçar as relações com países que mostrem boa governação, incentivando a legitimidade do poder político.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que causou pelo menos 925 mortos e 1.496 feridos entre a população civil, incluindo mais de 170 crianças, e provocou a fuga de mais 10 milhões de pessoas, entre as quais 3,48 milhões para os países vizinhos, indicam os mais recentes dados da ONU.
Segundo as Nações Unidas, cerca de 13 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.