"No caso de Angola podemos constatar que a designação de crise como uma calamidade quase bíblica que assolou o país direciona o olhar para o preço do petróleo, como se fosse um fenómeno divino, e oculta a responsabilidade política pelas péssimas prioridades de investimento público na década em que o crude estava em alta", afirmou o investigador, que hoje foi um dos oradores do II Congresso Internacional da Angolanística, uma iniciativa da Rede de Investigação Científica de Angola (Angola Research Network), que ainda decorre até ao final da tarde na capital portuguesa.
Para Jon Schubert, os vários atores sociais também “aproveitaram o potencial mobilizador do discurso de crise para dar uma dimensão moral aos seus projetos de acumulação e expropriação" em Angola.
Por exemplo, referiu: "Posicionar o Presidente [João Lourenço) como defensor do povo angolano, face às condicionalidades do FMI [Fundo Monetário Internacional], permite fazer apelos à solidariedade entre todos os cidadãos para fazer sacrifícios e apertar o cinto, para juntamente superar a crise e culpar os tais moribundos do governo anterior pela delapidação do erário público".
O investigador da Universidade de Basileia confessou que, como muitos angolanos e observadores de Angola, viu "com bastante euforia a dança das cadeiras que Lourenço [João Lourenço, atual Presidente de Angola] desencadeou depois das eleições de 2017 [em que chegou ao poder, sucedendo a José Eduardo dos Santos]", mas considerou hoje que pouco ou nada mudou no país.
Em 2017, "de um dia para o outro, o estilo e o tom da Presidência mudaram radicalmente, o que permitiu algumas aberturas nos meios de comunicação social, na crítica pública e até, em certa medida, no poder judicial”, referiu.
“Quando Lourenço mandou investigar os investimentos da própria família dos Santos [do ex-presidente José Eduardo dos Santos], cidadãos e até partidos da oposição aplaudiram (...) e, crucialmente, essas medidas enviaram um sinal ao estrangeiro, indicaram um vento de mudanças que agora estava a soprar em Angola, um país que voltava a ser um parceiro comercial respeitado e um destino digno de confiança para os investimentos estrangeiros", admitiu.
Como Lourenço herdou uma crise, resultante da queda dos preços do petróleo, era "vital que Angola permanecesse aberta aos negócios", sublinhou.
Por isso, nessa altura, a assinatura de um acordo com o FMI, no final de 2018, foi vista como "a validação suprema" do novo rumo que o país tomou com Lourenço, considerou.
Mas “três anos depois o quadro mudou”. E, em vésperas de novas eleições, em agosto próximo, “as esperanças de mudança dos angolanos fracassaram”, acrescentou.
“Afinal, após uma fase inicial de lua de mel nem tanto mudou com 'JLO' [João Lourenço]", comentou.
Segundo o investigador, embora com a queda de alguns oligopólios ligados ao antigo presidente, Lourenço tenha merecido aplausos, “isto não alterou fundamentalmente os problemas de corrupção e a dependência desequilibrada da economia angolana do petróleo".
Pelo contrário, "o novo protagonismo de certas empresas em muitos setores económicos indica que antigas redes de beneficiários foram simplesmente substituídas por novas redes".
Em segundo lugar, para o investigador, "as reformas iniciadas [como parte do acordo com o FMI] não melhoraram em nada a vida dos angolanos".
Ao contrário, "esta austeridade autoimposta afetou sobretudo as camadas mais pobres da população”.
Além disso, embora o FMI esteja satisfeito com a eliminação parcial dos subsídios aos combustíveis, “o efeito positivo disto no orçamento é anulado pelos reembolsos da dívida aos credores estrangeiros, que agora ultrapassa 50% das despesas orçamentais”.
Em consequência, a insatisfação subiu em Angola e a oposição política fortaleceu-se.
"Com a tomada de consciências de que as coisas não mudaram, fundamentalmente, a oposição encontrou novo rumo e um catalisador fundamental foi a eleição de Adalberto da Costa Júnior como novo presidente da UNITA [União para a Independência Total de Angola, maior partido da oposição]”, frisou.
O anúncio, em 2020, da formação da Frente Patriótica Unida para as eleições de 2022 “foi um forte sinal de que a oposição estava a trabalhar a sério".
Por isso, o regime sente-se “visivelmente ameaçado” e desde 2019 “regressou aos seus antigos reflexos autoritários", sublinhou
Mas, para o investigador, o pior é que "a organização das próximas eleições continua dominada pelo MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), tal como domina o tempo de antena dos meios de comunicação social.
"E o poder judicial voltou ao seu papel de servo do regime”, acrescentou.
Angola vai realizar as suas quintas eleições gerais em 24 de agosto, tendo até ao momento sido submetidas ao Tribunal Constitucional as candidaturas do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), e da CASA-CE (terceira maior força política de Angola).