"Ele é bonito, elas seduzem-no e ele não resiste…” Eis uma explicação para a circunstância de José Eduardo dos Santos (Zédu) ter sido considerado, à boca calada, um “mulherengo”. Esta tem uma particularidade, terá sido verbalizada por Isabel dos Santos no fim da década de 90, ainda a filha primogénita do ex-chefe de Estado angolano era uma ilustre desconhecida. Poucos anos depois, mais propriamente em dezembro de 2002, Isabel dos Santos entraria nos holofotes por força do seu sumptuoso casamento com o congolês Sindika Dokolo dividido em duas cerimónias, uma civil no Palácio Presidencial, outra na Sé Catedral de Luanda.
O enlace terá custado praticamente 1 milhão de euros e no banquete dado a milhares de convidados foi servida lagosta do Kwanza Sul, garoupa da Costa de Luanda, gambas e caranguejo do Namibe.
O tom de desculpabilização usado por Isabel dos Santos para justificar o comportamento do pai, com uma fama de playboy que o acompanhou desde muito cedo, diz muito sobre a forte ligação entre os dois. Aliás, a escolha do nome Isabel por parte de José Eduardo dos Santos teve um significado especial. A opção foi uma forma de homenagear a sua irmã mais velha, Isabel, falecida em julho de 2008, que desempenhou um papel determinante no início da sua carreira política.
Dos muitos relacionamentos que manteve ao longo da vida, José Eduardo dos Santos acabou por reconhecer 10 filhos. Isabel dos Santos nasceu em 1973 na cidade de Baku fruto do seu primeiro casamento com a xadrezista azerbaijanesa Tatiana Kukanova, que conheceu naquela cidade, onde estudou Engenharia com especialização em Petróleo, entre 1963 e 1969. Esta ida para o Azerbaijão, que à data fazia parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) já estava enquadrada na sua luta pela libertação de Angola. José Eduardo dos Santos aderiu ao Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) em 1958 e em novembro de 1962 partiu para o exílio na República do Congo. Nesse ano integrou o Exército Popular de Libertação de Angola, braço armado do MPLA e no seguinte partiu para Baku. Durante a sua estada no Azerbaijão foi jogador de futebol da equipa Neftchi, que disputava a primeira liga da URSS. Segundo uns, alinhou mesmo pela equipa principal, de acordo com outros nunca passou das reservas.
Duas versões para um divórcio
Em 1974, depois da revolução de 25 de Abril em Portugal, que abriu as portas à independência das colónias africanas, José Eduardo do Santos regressou a África, primeiro como representante do MPLA no Congo-Brazzaville. Em novembro de 1975 tornar-se-ia ministro das Relações Exteriores de Angola e em setembro de 1979, após a morte de Agostinho Neto, presidente do país. Nessa altura, Eduardo dos Santos ainda estava casado com Tatiana Kukanova, a qual chegou a trabalhar na Sonangol. Divorciaram-se e o motivo para este desfecho diverge segundos os narradores. Uns dizem que no fervor revolucionário dominante naquela época, marcado pelo chamado “black power”, era de mau tom o presidente de Angola ter uma mulher branca. Outros referem que Tatiana destratava a sogra, obrigando-a entrar pela porta das traseiras do palácio presidencial, na altura localizado no Futungo de Belas, tendo sido esta a razão para a rutura.
Mariana Paredes, uma investigadora social portuguesa que foi guerrilheira do MPLA e conheceu José Eduardo dos Santos em Brazzaville, recordou esses tempos numa entrevista ao Público, em janeiro de 2016. “Conheci-o pobre, com a ajuda de um dicionário de russo-francês ensinei a primeira mulher, a Tatiana, a falar português”. E a história prossegue em Luanda, já depois da independência.
“Os pais do José Eduardo moravam num casebre no musseque do Rangel, em Luanda. A Tatiana queria ir levar comida, cobertores, dinheiro, porque eles viviam em grandes dificuldades e a maneira de lá chegar era comigo. Íamos no meu carro. Os pais dele moravam num dos casebres mais pobres. Foi logo a seguir à independência, e apesar de o filho ser ministro das Relações Exteriores, na altura ninguém tinha acesso a bens. Com a guerra às portas de Luanda, e após os brancos da comunidade portuguesa terem saído, não havia comida. De uma maneira geral todos passámos mal. Eu nem por isso. A minha mãe mandava um caixote de comida todas as semanas para Angola através de um indivíduo da TAP. Mandava-me tudo, queijo, bacalhau, sempre duas garrafas de vinho. Eu era uma privilegiada e distribuía o que recebia pelos amigos. A Tatiana sabia sempre quando o meu caixote tinha chegado e pedia-me as garrafas de vinho. Trocaram-nas por um carro. Veja a ironia, o primeiro carro que eles tiveram foi comprado com as minhas garrafas de vinho. Ensinei-a a conduzir nesse carro”, contou Margarida Paredes nessa conversa com a jornalista Isabel Lucas.
Filha com nome de planta
Após Tatiana, que à data partiu para Londres com a filha Isabel, José Eduardo dos Santos teve uma relação com Filomena de Sousa, da qual nasceu José Filomeno de Sousa dos Santos (Zenu), que chegou a ser presidente do Fundo Soberano de Angola, nomeado pelo pai. Em 2020, já com João Lourenço no poder, Zenu foi condenado a cinco anos de prisão pelos crimes de burla por defraudação, peculato e tráfico de influência.
A seguir, no seu rol de relacionamentos assumidos, surge Maria Luísa Abrantes, que ocupou o cargo de presidente da Agência Nacional de Investimento Privado de Angola entre 2011 e 2012. A advogada deu-lhe uma filha, Welwitschea José (Tchizé) dos Santos e José Eduardo Paulino dos Santos, conhecido pelo pseudónimo artístico de Coréon Dú. O nome dado a filha tem origem numa planta exclusiva do deserto do Namibe, Welwitschia mirabilis, conhecida como o “polvo do deserto”. Tchizé é a segunda filha de Zédu com mais protagonismo, apenas atrás de Isabel. Foi deputada do MPLA, assume-se como empresária, saiu de Luanda e vive numa espécie de exílio, tendo-se transformado numa crítica feroz de João Lourenço. Já Coréon Dú, abriu feridas em Angola ao produzir, em 2018, Jikulumessu, a primeira telenovela no país com um beijo gay. A polémica foi de tal forma estridente que a Televisão Popular de Angola (TPA) se viu obrigada a suspender a telenovela. Na ocasião, Coréon Dú assumiu a sua homossexualidade e declarou-se “entristecido” com o “ato de censura que o projeto sofreu”.
Antes do seu segundo casamento, Eduardo dos Santos ainda teve um relacionamento com Maria Bernarda Gourgel, do qual nasceu José Avelino Gourgel dos Santos. Em maio de 1991, Zédu acabaria por trocar de alianças de novo, depois de se ter perdido de amores por uma das hospedeiras do avião presidencial, Ana Paula Cristóvão Lemos, que haveria também de adotar o apelido Santos. Deste casamento acabariam por nascer Eduane Danilo Lemos dos Santos, Joseana Lemos dos Santos e Eduardo Breno Lemos dos Santos, mas ainda assim continuaram as “facadas” no matrimónio. De uma delas, nasceu Joess Avelino Gougel dos Santos, filho de Berbarda Gourgel, que foi esposa do ex-primeiro-ministro, Paulo Kassoma.
José Eduardo dos Santos nasceu no bairro do Sambizanga, em Luanda, a 28 de agosto de 1942. Filho de dois emigrantes são-tomenses, Avelino Eduardo dos Santos, pedreiro, e Jacinta José Paulino, doméstica, que tiveram outros cinco filhos, Avelino, Isabel, Luís Eduardo, Marta e Lucrécio. Aliás, a nacionalidade de Zédu chegou mesmo a ser questionada pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), nas primeiras eleições disputadas a 29 e 30 de setembro de 1992. O movimento do Galo Negro, então liderado por Jonas Savimbi, argumentava que Eduardo dos Santos teria nascido em São Tomé, uma circunstância que o inibiria por lei de ser candidato a presidente.
Patrício Batsikama, autor do livro José Eduardo dos Santos e a Ideia de Nação Angolana, diz que logo após o nascimento lhe foi dado “o nome de ‘Viajante’ pelo seu irmão mais velho, o nacionalista Avelino dos Santos” [falecido a 15 de Novembro de 2016]. O verbo “viajar” diz-se “lembeka” em Kimbundu. No dicionário de Óscar Ribas, “Lêmba ou Dilêmba” é o nome da divindade que se dá a uma criança que nasce nas condições de “viajante”. Na antropologia, “Dilêmbe nou Lêmbe” relaciona-se com espíritos da terra devendo assegurar a paz e a fecundidade dos lares, a proteção dos guerreiros, etc.
Discrição como arma política
Eduardo dos Santos transformou a discrição numa arma de afirmação política e usou o silêncio para manter um clima de dúvida permanente que sempre serviu para reforçar o seu poder. A humanização de Zédu é feita pelos filhos e os meios de comunicação do Estado. Por exemplo, em 2015, a Angop identificava gostos e hóbis do à data ainda presidente: “nos tempos livres pratica futebol, andebol e basquetebol, sabe tocar viola e tambor, prefere a música clássica. Gosta de literatura, de preferência angolana”. Em 2016, quando anunciou que ia abandonar a vida política ativa, a filha Isabel não se poupou nos elogios. “Um homem excecional e um grande africano. Em toda a sua ação há dignidade e inteligência. Uma verdadeira fonte de inspiração. Para mim, um pai, um guia. Uma referência, um professor.” Adepto do FC Porto, o prato preferido de Zédu era o funge, um acompanhamento típico angolano que pode ser feito de farinha de milho ou de farinha de mandioca e que pode ser apresentado num prato de muamba de galinha ou de calulu, uma mistura de peixe fresco e seco.
Mas, afinal, qual era a relação de Eduardo dos Santos com a família? Segundo Isabel dos Santos, gostava muito de brincar com os netos. E José Filomeno dos Santos também o tirava do pedestal. “Quando nos encontramos não falamos das nossas atividades profissionais. Contamos as novidades, sobretudo as que dizem respeito aos nossos filhos, e falamos muito dos velhos tempos, de quando éramos pequenos.” Uma confidência feita, em 2012, em conversa com a jornalista Estelle Maussion, autora do livro O Domínio de Angola – Um Retrato do Poder de José Eduardo dos Santos. SABADO