“João Lourenço não vai ter de falar porque tem maioria absoluta. Portanto, a margem para a governação mantém-se. Angola é um regime presidencialista. Não é um regime parlamentar”, considerou Ana Lúcia Sá, investigadora integrada do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL.
Segundo dados divulgados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), quando estavam escrutinados 97,03% dos votos das eleições realizadas na passada quarta-feira, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975) obteve 3.162.801 votos, menos um milhão de boletins escrutinados do que em 2017, quando obteve 4.115.302 votos.
Já a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) registou uma grande subida, elegendo deputados em 17 das 18 províncias e obtendo uma vitória histórica em Luanda, a maior província do país, conseguindo até ao momento 2.727.885 votos, enquanto em 2017 obteve 1.800.860 boletins favoráveis.
Para Ana Lúcia Sá, “desejavelmente deveria haver mais (diálogo) e, principalmente em assuntos mais sensíveis para a vida política de Angola”, e acrescentou: “Mas não creio que tenha de haver um maior diálogo, porque precisamente a margem de governação mantém-se na mesma”.
Questionada sobre a necessária despartidarização do aparelho de Estado em Angola, em que ao nível das províncias os seus governadores são geralmente os secretários provinciais do MPLA, a investigadora não acredita que aconteça.
“Não sei até que ponto é que há vontade (de despartidarizar) e estou a ser muito honesta, não sei mesmo até que ponto é que há vontade dessa despartidarização das estruturas da administração pública, desde os funcionários, desde todos os funcionários ao serviço do Estado até às estruturas de mais poder a nível de governos provinciais, tenho algumas dúvidas sinceras ou seja, que haja vontade política”, frisou.
“O que pode haver e há sempre esses riscos nestes regimes autoritários, é a cooptação de forças da oposição, de acordo com os interesses de quem está no poder. E aí não há diálogo inclusivo, não é, não há uma intenção… não há uma prática inclusiva. A mesma cooptação sempre a favor dos interesses do lado de quem tem poder”, adiantou.
Sobre os desafios futuros de João Lourenço, reeleito pelos dados oficias para um segundo mandato presidencial, Ana Lúcia Sá considerou que são grandes.
Segundo a investigadora, “a economia angolana não está num momento bom. Não tem correspondência com a demografia angolana. (Angola é) Um país com muita juventude, um país com muita juventude em situação formal de desemprego, ou seja, não há emprego em estruturas formais”.
“Depois há todo o aspeto dessa chamada economia informal, mas que não supre as necessidades das pessoas e desta juventude que já vota e que já tem um voto de protesto, não necessariamente de filiação ideológica, mas de vontade de alternância, porque de facto, no fundo, se analisarmos a história de Angola e dos ciclos que foi vivendo - há sempre um ciclo de esperança e um ciclo de desesperança a seguir -, o ‘boom’ económico poderia ter servido para a criação de mais estruturas de saúde ou de educação ou de outras possibilidades de emprego, mas que nunca se concretizaram”, destacou
Ana Lúcia Sá deu o exemplo do que João Lourenço afirmou na campanha eleitoral e questionou: “Houve um discurso de ‘temos de combater o analfabetismo que existe’ mas, quer dizer, num partido que está desde 1975 no poder?”.
Por outro lado, Ana Lúcia Sá destacou o facto de a UNITA, nestas eleições, ao contrário de outras está a ter um maior controlo sobre as atas com os números da votação nas assembleias de voto.
“O movimento cívico Mudei tem sido importante aí também neste escrutínio, num escrutínio que […] não é minimamente oficial, mas está a usar os instrumentos oficiais”, o que pode, ser suficiente, caso os dados não coincidam com os oficiais, para que a UNITA apresente a sua contestação judicial.
“A UNITA poderá recorrer ao Tribunal Constitucional, sim, mas claro, o Tribunal Constitucional está também partidarizado, como outras instituições do Estado, portanto, não sei se não será um ‘dead end’, não vai colher qualquer fruto”, reconheceu.
Ana Lúcia Sá disse estar “expectante” com o que vão dizer os observadores internacionais.
“À partida vão sancionar as eleições como sancionam em qualquer, porque há muito aquela ideia em África que as coisas acontecem de forma diferente. Portanto, se houver umas irregularidades é normal, e a observação eleitoral Internacional acaba por ter esta perspetiva de: ‘sim, sim, irregularidades, mas que não colocam em causa a natureza’ da votação”, antecipou.