No vídeo em causa, três jovens trabalhadores de uma empresa chinesa envolvida nas obras do Novo Aeroporto Internacional “Agostinho Neto” que o presidente da Republica João Lourenço visitou no sábado passado, dizem que vão receber o “nosso gatuno” e criticam o despesismo do Estado.
“Todo o dinheiro do Estado está aqui e o povo passa fome”, diz um dos jovens, criticando o facto de alguns trabalhadores das obras ganharem acima de um professor.
“Para quem vem de fora, vê o nosso país e diz Angola já não passa fome”, prossegue, mostrando a moderna infraestrutura que começou a ser desenvolvida há 25 anos e cujo custo ultrapassava já em 2017 mais de 6 mil milhões de dólares (5,7 mil milhões de euros, ao câmbio atual).
“Tem muita gente a sofrer, muita gente que não come há não sei quantos dias, que não estuda por falta de condições, muitos professores que já não querem dar aulas porque são mal pagos, outros que são corruptos porque o Estado paga mal”, indigna-se.
O Serviço de Investigação Criminal (SIC) de Luanda anunciou hoje a detenção de um dos três jovens, de 24 anos de idade, e está a tomar medidas para encontrar os outros dois, que estão em fuga.
“Produziram um vídeo insultuoso, um vídeo com conteúdo ofensivo”, disse Manuel Halaiwa, diretor do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do SIC, explicando que estão em causa crimes de ultraje ao Estado, difamação e calunia contra o Presidente da República e os seus símbolos.
“Este vídeo viralizou nas redes sociais e provoca danos à imagem do representante de Estado e aos seus símbolos”, sublinhou, reforçando o apelo do SIC aos jovens para que “usem as redes sociais para fins positivos”.
O crime de ultraje ao Estado angolano, seus símbolos e órgãos consta do artigo 333.º introduzido em 2020 no novo Código Penal.
O polémico artigo levantou críticas de vários quadrantes da sociedade, tendo na altura o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, garantido que o objetivo não era impedir críticas às ações do Presidente da República.
O n.º 1 do referido artigo estabelece que "quem, publicamente, e com intuito de ofender, ultrajar por palavras, imagens, escritos, desenhos ou sons, a República de Angola, o Presidente da República ou qualquer outro órgão de soberania é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou multa de 60 a 360 dias".
Em entrevista à Televisão Publica de Angola em novembro de 2020, Francisco Queiroz sublinhou que aquele artigo pretendia proteger o bom nome, a honra e a dignidade das pessoas, proteção que sairia reforçada por ser aplicada aos símbolos nacionais e ao Presidente da República.
O ministro garantiu também que não seria proibida a divulgação de caricaturas, contrariando assim receios de alguns fazedores de opinião.
Na altura, organizações não-governamentais como a Friends of Angola mostraram-se preocupadas com a criminalização de jovens ativistas cívicos e políticos, devido à introdução do artigo 333.º e apelaram ao Presidente da República que travasse a medida.
Também alguns juristas angolanos alertaram na altura para o facto de esta norma poder constituir uma ameaça para as liberdades de expressão e de imprensa.