“A Constituição diz que o Presidente [da República] exerce tutela administrativa sobre as autarquias locais, superintendência sobre as empresas públicas e institutos públicos, é claro que nós em Angola muitos ministros não sabem fazer a diferença entre superintendência, poder de direção e tutela”, afirmou Carlos Feijó.
Segundo ex-ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, na mandato de José Eduardo dos Santos, “há uma tentativa de interferência direta dos ministros na gestão, não compreendendo bem o sentido e o alcance de quais são os poderes de superintendência e quais são os poderes de tutela”.
Carlos Feijó referiu que “daí já surgiram muitos conflitos”, por isso a recente revisão da Lei do Contencioso Administrativo já prevê “ações judiciais” contra titulares de cargos governamentais que interfiram na atividade dos órgãos da administração indireta e da administração independente.
O conhecido jurista e professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, que falava na III Conferência Anual da Autoridade Reguladora da Concorrência (ARC) angolana, alertou também para o “risco da captura e a legitimidade das autoridades reguladoras”.
“Como sabem este é um problema que se discute, essa captura que às vezes as entidades reguladoras são objeto ou são sujeitas e que, no fundo, depois também passam a ser um instrumento de intervenção política ou mesmo a captura pelos operadores económicos”, apontou.
No entender do docente universitário, especialista em direito administrativo, o principal instrumento “contra a tentação de captura das agências reguladoras é, sobretudo, o direito de participação popular na tomada de decisão”.
Neste aspeto, sublinhou, a atual “lei sobre as Entidades Administrativas Independentes é totalmente omissa, isto é, o controlo via participação popular efetiva no procedimento de tomada de decisões por parte dessas agências reguladoras”.
“Que é, em boa verdade, um problema sério que as entidades reguladoras, via de regra têm”, frisou.
Feijó foi um dos oradores de um dos painéis da conferência da ARC que abordou os “Desafios das Entidades e Concorrência e dos Reguladores Setoriais no Processo de Transformação em Entidades Administrativas Independentes”.
Durante a sua intervenção apontou vários problemas que concorrem para a transformação efetiva das autoridades reguladoras em entidades administrativas independentes, defendendo para a ARC uma “readaptação orgânica e jurídica”.
Sobre a natureza jurídica da ARC, assinalou, a Lei da Concorrência abarca conceitos “indevidos com falta de rigor de direito administrativo, definições indevidas na lei e no estatuto do órgão regulador”.
E há na lei da Concorrência, um “objeto jurídico não identificado” e vem dizer: “É um órgão a quem compete, depois diz é uma pessoa coletiva de direito público, confunde pessoa coletiva com órgão que são pessoas distintas, não sabe se é autoridade, se é agência reguladora ou órgão”, notou.
“[O] principal problema que essa agência vai ter é algum rigor na definição da sua natureza jurídica e este vai ser para mim o primeiro problema que terá, mas a Lei das Entidades Administrativas Independentes vem resolver este problema”, realçou.
“Logo, se a autoridade [Reguladora da Concorrência] reunir requisitos para ser uma entidade administrativa independente vai ter que fazer essa readaptação orgânica e jurídica e vai ter que seguir toda a tramitação para o seu processo de criação”, acrescentou.
E Carlos Feijó rematou: “Vai ter que responder a um problema da necessidade do chamado estudo de impacto ou avaliação de impacto regulatório, que o nosso ordenamento jurídico é totalmente omisso quanto à necessidade desse estudo”.
A III Conferência Anual sobre Concorrência e Regulação Económica em Angola, promovida em Luanda, visou assinalar os quatro anos de existência da ARC, órgão tutelado pelo Ministério das Finanças, criada em dezembro de 2018.