Uma "década de estagnação" no combate à corrupção foi "devastadora para a África Subsariana"

Uma década de estagnação no combate à corrupção “foi devastadora para a África Subsariana”, onde 80% dos países fizeram “poucos ou nenhuns progressos”, afirma a organização Transparência Internacional, que divulgou hoje o seu Índice de Perceção da Corrupção.

"A década de estagnação dos níveis de corrupção foi devastadora para a África Subsariana”, sublinha Samuel Kaninda, conselheiro regional para África da Transparência Internacional (TI), citado no relatório anual da organização não-governamental sediada em Berlim.

“Os recursos naturais continuam a ser pilhados e milhões de pessoas não têm acesso aos serviços públicos, ao mesmo tempo que os conflitos violentos e as ameaças terroristas aumentam", acrescenta Kaninda.

O responsável reforça que "entretanto, a grande corrupção permite às elites agir com impunidade, desviando dinheiro do continente e deixando as populações com muito pouco em termos de direitos ou recursos".

A grande maioria dos países da África Subsariana protagonizou “poucos ou nenhuns progressos nos últimos 10 anos” relativamente aos níveis de corrupção nos respetivos países, revela o Índice de Perceção da Corrupção (IPC) organizado pela TI.

“Os ganhos de um punhado de países da região são ensombrados pelo recuar e estagnação nos outros. Os graves problemas de corrupção são exacerbados pela continuação da violência dos conflitos e ataques terroristas” em países como o Sudão do Sul, o último de 180 países no Índice de Perceção da Corrupção (IPC), com 11 pontos (de 0 a 100), ou a República Democrática do Congo (RDCongo, 176.º no IPC, com 19 pontos), sublinha o relatório.

As mudanças inconstitucionais de poder, como na Guiné-Conacri (25 pontos no IPC) “dão destaque à corrupção política”, sublinha a TI, e o “grave impacto da pandemia de covid-19 este ano deu aos governos uma desculpa para limitar ainda mais os direitos” em países como os Camarões ou o Uganda (ambos com 27 pontos).

O IPC classifica 180 países e territórios pelos níveis de perceção da corrupção no sector público, numa escala de zero (altamente corrupta) a 100 pontos (limpa da perceção de corrupção).

A média dos países da África Subsariana é de 33 pontos, a mais baixa do mundo, e 44 países classificam-se abaixo dos 50 pontos. As Seicheles, com 70 pontos, lideram o IPC na região, seguidas por Cabo Verde (58 pontos) e Botsuana (55 pontos), a uma distância significativa do líder.

A título de exemplo, Portugal ocorre na 33ª posição do ranking dos países analisados, com 62 pontos, abaixo portanto das Seicheles, ainda que a Transparência Internacional sublinhe que, mais importante do que a posição relativa de cada país na escala, é a sua pontuação.

A Guiné Equatorial (17 pontos), Somália (13) e Sudão do Sul (11) têm a pontuação mais baixa na região. Por outro lado, Botsuana (55 pontos), Lesoto (38), Essuatíni (32), Níger (31), Nigéria (24), Comores (20) e, mais uma vez Sudão do Sul registam este ano “mínimos históricos”.

Na última década, 43 países da região perderam pontuação ou não fizeram quaisquer progressos e apenas seis melhoraram significativamente em 2021 em relação ao IPC de 2012: Seicheles (70 pontos em 2021 versus 52 em 2012), Senegal (43/36), Etiópia (39/33), Tanzânia (39/35), Costa do Marfim (36/29) e Angola, que no IPC de 2021 regista 29 pontos, mais 7 pontos do que há dez anos.

“Uma das maiores ameaças ao progresso na África Subsariana é a grande corrupção - corrupção sistémica envolvendo funcionários públicos de alto nível e vastas somas de dinheiro, frequentemente acompanhadas por graves violações dos direitos humanos. Não obstante, a impunidade tem sido a norma em vez da exceção”, destaca a TI.

O continente perdeu anualmente dezenas de biliões de dólares em fuga de capitais ao longo da última década, reforça a ONG. “No ano passado, as investigações relacionadas com os 'Pandora Papers' expuseram meia centena de políticos e, pelo menos, cinco atuais ou antigos chefes de Estado do continente - alguns dos quais apresentados antes como reformadores anticorrupção”, salienta a TI.

A Nigéria e a RDCongo merecem, no âmbito desta investigação e de outras semelhantes, como os 'Panama Papers', uma consideração particular por parte do relatório da TI.

No caso da Nigéria, que atingiu um mínimo histórico no índice deste ano (24 pontos), "mais de 100 indivíduos poderosos foram expostos como tendo utilizado empresas anónimas para comprar propriedades, que, só no Reino Unido, ascendem a um valor total estimado em 350 milhões de libras" (417,46 milhões de euros ao câmbio de hoje).

Antes dos 'Pandora Papers', já os 'Panamá Papers' e outras investigações levadas a cabo pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla em inglês) tinham denunciado a existência de negócios escuros no seio do grupo de detentores do poder na Nigéria. “A inação sobre estas revelações criou uma sensação de impunidade, paralisando os progressos anticorrupção no país”, sublinha a TI.

Na RDCongo (19 pontos no IPC deste ano), investigações em 2021 em torno do caso que ficou como “Congo Hold-Up”, levadas a cabo por um consórcio de órgãos de comunicação internacionais e várias ONG, colocaram o antigo presidente Joseph Kabila, no centro de um alegado desvio de fundos estatais do banco central do Congo, de uma empresa mineira estatal e da autoridade fiscal, entre outros, na ordem de, pelo menos, 138 milhões de dólares (122 milhões de euros) entre 2013 e 2018, sublinha a TI.

No outro lado do espectro, o Botsuana, um dos países com melhores registos históricos no índice, atingiu nesta edição um mínimo histórico, caindo para 55 pontos, quando em 2012 registava 65. Este resultado corrobora as conclusões do inquérito do Barómetro Global de Corrupção de 2019 da Transparência Internacional, que mostrou que a maioria da população do país considerava que a corrupção tinha aumentado.

O país não resolveu ainda as “preocupações com a impunidade” de grandes empresários e altos funcionários do Governo, que emergiram no caso do desvio de verbas do Fundo Petrolífero Nacional em 2017, na ordem dos 25 milhões de euros. O relatório da TI sublinha a necessidade do Botsuana “aumentar a responsabilização pela corrupção de alto nível na democracia mais antiga do continente”.

Outra das quedas acentuadas no ranking de 2021 foi protagonizada pela Libéria (29 pontos), que caiu 12 pontos desde 2012. As alegações de corrupção não resolvidas e, mais uma vez, uma “cultura persistente de impunidade” estão entre as principais preocupações, além de que “um fraco poder judicial continua a minar a luta contra a corrupção naquele país da África Ocidental”.