Segundo Manuel Correia, ex-comandante do Batalhão de Transportes Rodoviários e Desminagem do Cuando-Cubango, adstrito à Casa Militar do Presidente da República de Angola, o montante era o remanescente do salário do efetivo daquela unidade militar.
Eusébio de Brito Teixeira, general na reserva das Forças Armadas Angolanas (FAA), era, à data dos factos, comandante da região militar do Cuando-Cubango, coordenador do referido batalhão e anos depois governador de Cuando-Cubango, sul de Angola.
Arrolado, como testemunha, pela defesa do coarguido Manuel Correia, o general Eusébio foi inquirido hoje, em sede do tribunal, e negou ter sido beneficiário de malas de dinheiro, que alegadamente restava após o pagamento dos salários do efetivo do batalhão.
Manuel Correia, um dos 49 arguidos deste megaprocesso, disse em 02 de setembro passado, durante o seu interrogatório, que entregava “várias vezes” malas de dinheiro, com cerca de 25 milhões (57 mil euros) aos generais Eusébio de Brito e António Mateus Júnior de Carvalho “Dilangue”.
Hoje, Eusébio de Brito negou as acusações e disse que toda a logística, questões administrativas e financeiras do batalhão do Cuando-Cubango eram da responsabilidade do seu comandante, Manuel Correia.
A testemunha disse que nas vestes de comandante da região militar do Cuando-Cubango e de coordenador do batalhão apenas homologava as folhas de salário da unidade e que desconhecia onde as mesmas eram elaboradas.
Afirmou que não tinha competências para inserir funcionários naquela unidade, tendo admitido, no entanto, que na fase em que homologava as referidas folhas, com o seu carimbo, houve ocasiões em que se apercebeu que o batalhão estava a admitir pessoal.
A acusação do Ministério Público (MP) angolana refere que vários civis entre funcionários do Banco de Poupança e Crédito (BPC), funcionários do governo do Cuando-Cubango e inclusive “funcionários fantasmas” estavam inseridos na folha de salário do batalhão.
O general das FAA, com historial de trabalho no Cuando-Cubango entre 2003 e 2018, fez saber igualmente que deixou de homologar as folhas de salário da unidade quando se apercebeu do “estranho” aumento de pessoal no batalhão, facto que não obteve qualquer explicação do seu comandante.
Mesmo depois de ter deixado de homologar as folhas de salário, explicou, responsáveis da unidade “falsificavam” a sua assinatura, por 'scanner', e remetiam-nas para Luanda, um ato que considerou como “criminoso”.
Eusébio de Brito revelou que na folha de salário do batalhão do Cuando-Cubango havia sido inserido o nome da sua filha, num processo que disse desconhecer, e que o comandante da unidade apenas retirou o nome da mesma sob sua pressão.
Diante dos argumentos divergentes entre as afirmações de Eusébio de Brito e de Manuel Correia, a defesa do coarguido requereu ao tribunal uma confrontação entre ambos, limitada apenas a quatro questões, e o juiz da causa e o MP não se opuseram.
Em sede da confrontação, o coronel Manuel Correia reafirmou que entregava mensalmente malas de dinheiro do remanescente salarial do seu efetivo nas residências do general Eusébio, nomeadamente nas províncias de Luanda, Cuando-Cubango e Cuanza Sul, esta última onde a testemunha também era governador.
Segundo Manuel Correia, havia ocasiões em que entregava as malas de dinheiro ao motorista do general, na ausência deste.
Nesta confrontação, Manuel Correia admitiu igualmente que o nome de Eusébio de Brito (assinatura) foi “scaneado”, algumas vezes, quando este deixou de homologar as folhas de salário do seu efetivo.
Em resposta aos argumentos do coronel Manuel Correia, ainda no decurso da confrontação, o general Eusébio de Brito negou as acusações e assegurou que nunca se beneficiou das alegadas malas de dinheiro.
Já no final da sua inquisição, em declarações aos jornalistas, Eusébio de Brito voltou a refutar as acusações, garantindo que, em tribunal, disse “apenas a verdade” e que está "tranquilo”.
“O que me vai na alma foi ter dito aquilo que é a verdade, aquilo que me competia dizer em função das perguntas que me foram feitas, acusações de algo que eu não fiz e, então, tive que dizer aqui as verdades. Primeiro fui acusado que estava a receber dinheiros, mas eu não recebia dinheiros”, salientou quando questionado pela Lusa.
O também ex-deputado do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) lamentou também que a sua assinatura tivesse sido “falsificada, para que as folhas de salário dessem entrada na Casa Militar do Presidente da República”.
“E o senhor coronel Correia acabou por confirmar que as folhas [de salário] não eram feitas por ele, mas que 'scaneavam' o meu nome e que até constitui crime”, realçou.
Disse ainda desconhecer o motivo das acusações: “Também não sei [as razões das acusações], mas respondi o que tinha que responder e ele [Manuel Correia] também confessou e justificou que falsificavam as folhas em meu nome”, assinalou.
O 'caso Lussati', em que estão envolvidos 49 arguidos, tem como rosto visível o major Pedro Lussati, afeto à Casa Militar da Presidência da República, tido como cabecilha do grupo, que foi detido na posse de milhões de dólares, euros e kwanzas guardados em malas, caixotes e em várias viaturas.
Na instância da defesa de Pedro Lussati, o general Eusébio de Brito disse que não conhecia o major e que o conheceu apenas pela televisão quando surgiu o caso.
Os arguidos, entre os quais oficiais das FAA e civis, são indiciados dos crimes de peculato, associação criminosa, recebimento indevido de vantagem, participação económica em negócio, abuso de poder, fraude no transporte ou transferência de moeda para o exterior e outros.