Luaty Beirão, que interveio hoje, por via remota, num debate sobre o direito à manifestação em Luanda, criticou o decreto presidencial 241/22 de 7 de outubro de 2022, que o impede de regressar a Angola, país de onde saiu em dezembro.
“É um decreto que, de certa maneira, suspende a minha nacionalidade e de quem tenha optado por não se vacinar. Como se impede um cidadão nacional de entrar no país onde nasceu?”, questionou, sublinhando que “não há presidente nenhum que possa aspirar a ter o poder de dizer quem pode ou não entrar no país".
Além de Angola, os EUA exigem a apresentação de certificado de vacinação mas apenas a cidadãos estrangeiros.
O também músico, conhecido como Ikonoklasta, afirmou ainda: “Se houvesse uma política de vacinação obrigatória de Angola - o que não há -, o máximo que podiam fazer e mesmo assim eu podia levar a tribunal e contestar essa regra era, ao chegar, dizer que só posso voltar à vida social depois de ser vacinado. Impedirem-me de entrar em Angola com um decreto presidencial que vale menos do que a lei ordinária, que vale menos do que a Constituição, é um absurdo”, criticou.
Esse decreto inclui pessoas que querem aderir ao ensino superior, que querem fazer um concurso público, que querem ser funcionários do Estado”, acrescentou.
“A obrigação de vacinação, no meu entender, é inconstitucional”, continuou, argumentando que não conseguiriam sequer vacinar todos em Angola e que a vacina não é suficientemente testada.
Em todo o caso, acrescentou: “Não quero argumentar sobre a validade da vacina, estou a argumentar sobre a validade de um Presidente decidir, com a sua caneta, suspender a nacionalidade de outra pessoa, foi isso que ele fez".
O ativista, que tratou João Lourenço como “usurpador” e “mais alto inquilino da Cidade Alta” [onde se localiza o Palácio Presidencial], afirmou que esta questão deve ser resolvida por juristas, e admitiu processar o Estado por “abuso de poder”, afirmando que vai permanecer no estrangeiro até que o decreto seja revogado.
Luaty Beirão refletiu também sobre a participação no 7 de março de 2011, que serviu de mote ao encontro dos ativistas no auditório das Irmãs Paulinas, em alusão a uma manifestação reprimida pelo anterior presidente, José Eduardo dos Santos.
Lembrou que havia, na altura, um clima de excitação pela chamada “Primavera Árabe”, em que se acreditava que mesmo os mais fortes poderiam abdicar do poder.
Contou que foi a sua primeira experiência de choque direto com a força repressiva, da qual saiu “mais consciente de que há direitos” que têm de ser reivindicados e não se pode ceder sempre ao medo “porque é mais repressivo do que qualquer cela”.
Luaty Beirão, um dos “15+2”, como ficaram conhecidos os 17 ativistas julgados e condenados em 2016 pelos crimes de rebelião e associação de malfeitores, por estarem a ler o livro da “Da Ditadura à Democracia”, considerou que “Angola é um grande ‘sketch’ humorístico” e que entre polícia e ativistas joga-se muitas vezes um 'jogo de gato e rato', em que o regime “mostra grande fragilidade perante pessoas que levam um cartaz”.
Sobre as manifestações atuais, considerou "assinalável" que se tenha normalizado o conceito de manifestação, apesar de haver ainda poucas pessoas nos protestos.
“Ainda há noção de que podem perder o emprego”, sublinhou, notando que foi desaparecendo a noção de que podia ser sinónimo de morte.
Questionado sobre uma entrevista recente de João Lourenço à radio RFI onde este negou haver repressão de manifestações em Angola e que estas se realizam “todos os santos sábados”, Luaty Beirão afirmou que um anúncio não significa que as manifestações aconteçam.
Além disso, comentou, João Lourenço pretendeu aligeirar e banalizar a forma de impedir que aconteçam, afirmou, frisando que “a repressão continua a existir, mas não em todas as manifestações”.
Realçou também que o Presidente angolano estava a “falar para fora”, para “maquilhar a imagem de Angola para os parceiros”, num ato que considerou ingénuo.
“Eles sabem, eles acompanham o que se passa, sabem que os tribunais são uma brincadeira, para mim parece-me infantil”, concluiu o ‘rapper’, acrescentando que compreende o movimento de angolanos que decidem “abandonar o quintal” e emigrar.
“Eu entendo perfeitamente, é uma vida dura”, rematou.