Cooperação UE/Angola entre 2008 e 2020 revelou metas “irrealistas” e falta de empenho do Governo

A cooperação da União Europeia com Angola entre 2008 e 2020 teve metas “irrealistas” e impacto limitado nas instituições angolanas sobretudo nos primeiros dez anos, por falta de empenho do Governo, que limitou atividades que não aprovava, segundo um relatório.

Estas são algumas conclusões do relatório de avaliação da cooperação da União Europeia (UE) com Angola, publicado esta semana, e que abrange o período entre 2008 e 2020 coincidindo em grande parte com a Presidência de José Eduardo dos Santos, já que João Lourenço chegou ao poder apenas em setembro de 2017.

A avaliação analisou as intervenções financiadas ao abrigo do Programa Indicativo Nacional (PIN) 2008-2013, com 214 milhões de euros, e o PIN 2014-2020, com 157 milhões, onde os atores não-estatais receberam 40 milhões de euros adicionais, baseando-se numa série de entrevistas com membros do parlamento, funcionários do Governo, académicos, representantes do setor privado e das organizações da sociedade civil, parceiros internacionais de desenvolvimento e funcionários da UE em Luanda e em Bruxelas.

A análise centrou-se em várias dimensões, avaliando a cooperação do ponto de vista da relevância, eficiência e eficácia dos programas, bem como o seu impacto, sustentabilidade, valor acrescentado, coerência, complementaridade e o desenvolvimento de capacidades e diálogo político.

“Os dois PIN eram altamente relevantes, mas não realistas dada a escala do financiamento da UE. Houve uma dispersão em torno de demasiados objetivos e setores com capacidades limitadas para gerir e apoiar programas tão complexos. As análises de risco não forneceram opções realistas, uma vez que o Governo não estava verdadeiramente comprometido com os objetivos e reformas declarados”, descreve o relatório.

O programa FRESAN, por exemplo, um projeto de resiliência, segurança alimentar e nutricional que está a ser implementado em três províncias do sul de Angola propensas à seca (Huíla, Cunene e Namibe), é visto como “mal concebido” e “com um reduzido envolvimento do Governo de Angola, o que resulta num fraco desempenho do projeto”.

Os peritos europeus apontam atrasos significativos da maioria dos projetos, particularmente no arranque, mas também durante a implementação. “A eficiência temporal tem sido, por conseguinte, geralmente pobre, embora para a maioria das intervenções tenha melhorado mais para a parte final do período, sendo o projeto FRESAN uma clara exceção”, aponta o relatório.

Por outro lado, projetos complexos, como os projetos regionais dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) ou os que têm vários componentes implementados por parceiros diferentes, tiveram custos de coordenação elevados.

A rotação constante dos funcionários do setor público foi um dos fatores que “causaram perturbações que levaram a uma redução da eficiência dos projetos, embora muitas vezes apenas temporariamente”, refere o relatório.

Quanto ao impacto nas instituições angolanas, este “varia consideravelmente”. Há casos de melhorias significativas ao nível de organismos mais técnicos e algumas histórias de sucesso no que se refere à  política nacional, sobretudo no que diz respeito a crianças/direitos dos jovens e aos serviços nacionais (programa de transferências).

Mas as mudanças na liderança política “são um problema que afeta significativamente a capacidade dos organismos públicos de se manterem num caminho de desenvolvimento a longo prazo”, indica a UE.

Durante os primeiros dez anos, o principal fator limitativo foi o facto de o Governo não ter estado muito empenhado no programa da UE, tendo até limitado atividades que não aprovava, lê-se no documento.

Por outro lado, o desenvolvimento de capacidades “é complicado e muitas vezes são necessários ajustamentos, no entanto, os acordos dos projetos restringem as partes a uma abordagem que pode acabar por não ser a melhor”, refere o relatório, sugerindo abordagens mais flexíveis.

Os centros de formação são casos paradigmáticos. Embora se destinassem a satisfazer necessidades importantes, a experiência real tem sido mista: um dos centros nunca abriu; um segundo centro estava localizado numa cidade de difícil acesso; e o terceiro apenas recentemente começou a funcionar, pelo que ainda  não há resultados.

“É lamentável que uma infraestrutura tão crucial para o desenvolvimento de competências a longo prazo do país tenha um desempenho tão fraco”, criticam os avaliadores.

O relatório destaca, no entanto, que o diálogo político de alto nível, baseado na Parceria “Caminho Conjunto” (”Joint Way Forward”), “tem evoluído em termos de abrangência, profundidade e regularidade com a Presidência Lourenço”.

O diálogo tem-se centrado em questões políticas globais e ainda não abordou várias questões relacionadas com os projetos, “mas pode fornecer as bases para uma cooperação para um desenvolvimento mais abrangente, estendendo-se para além do setor público”.

Sobre Angola, o documento salienta que o sistema político é estruturado para assegurar um controlo central, pelo que as reformas são “lentas e sempre com vista a manter o controlo centralizado”, enquanto o sistema económico continua baseado na procura de “lucro adicional”, “onde uma elite político-económica e os seus parceiros estrangeiros controlam áreas-chave da economia e podem utilizar instrumentos do Estado para proteger os seus interesses”.

No entanto, revela perspetivas otimistas quanto ao futuro: “O espaço para outros atores económicos tem sido historicamente limitado, mas está agora a ganhar mais abertura. É provável que esta tendência continue com mais reformas macroeconómicas e com a adesão esperada de Angola ao Acordo de Parceria Económica UE-SADC” (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral).

Quanto ao Governo, está “muito consciente e preocupado com os sérios desafios económicos e, portanto, também políticos que o país enfrenta e está, por isso, aberto a medidas que os abordem - com a condição de que estas não desafiem significativamente o controlo central”, afirma ainda o relatório.