“É que a comunicação de Jú Martins (secretário do MPLA para os assuntos políticos e eleitorais) foi extremamente agressiva e muito perigosa, porque no fundo é como se nos dissesse que pensar na possibilidade do partido que suporta o Governo não ganhar essas eleições era quase uma loucura”, disse hoje Paulo Inglês à Lusa.
Para o sociólogo, o que torna possível a democracia é a possibilidade de qualquer partido vencer ou perder as eleições: “Se apenas só um que tem que ganhar isto não é democracia, isto é autoritarismo, foi o que ele veio afirmar”.
No fundo “o que ele (João “Jú” Martins) veio dizer é como se as eleições fossem um teatro, é como se você não pode pensar isso está proibido pensar isso, porque é inimaginável pensar que alguém possa a ganhar sem ser o que já está no poder”.
“Isto é absolutamente repugnante e perigoso num pleito eleitoral, claro que se as pessoas estão a ser esforçar, ainda que ganhe o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, no poder), a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola, maior na oposição) ou um outro partido isso é que torna realizável a democracia”, realçou.
“Pressupor que isso não é possível, então porque é que estamos a fazer eleições, porque é que estamos a gastar dinheiro com campanhas eleitorais?”, questionou.
O secretário do MPLA para os assuntos políticos e eleitorais, Jú Martins, desmentiu, na segunda-feira, em Luanda, a existência de negociações e apelidou o líder da UNITA de “lunático” por pensar em vencer as eleições de 24 de agosto.
Jú Martins disse que foi abordado pelo presidente do grupo parlamentar do MPLA, no sentido de se disponibilizar para um encontro com o presidente da UNITA, do qual deu nota ao presidente do partido (João Lourenço, também Presidente da República de Angola e que recandidata ao cargo) e que se realizou em 27 de maio, num hotel em Luanda.
Ao longo de três horas e meia, falou-se de problemas do momento político atual, nomeadamente as listas de eleitores e o tratamento da base de dados, bem como a visibilidade dada pela imprensa pública à UNITA, mas não se abordarem questões relativas à transição.
“Qual transição, qual negócio”, sublinhou Martins, acrescentando que, para tratar de assuntos dessa natureza, teriam de ser mandatados pela direção do partido”, e não apenas pelo seu líder, já que “o poder se conquista, não se negoceia”.
No entender de Paulo Inglês, “em política não há conversas confidenciais, mas assuntos confidenciais que não veem a público”, referindo que o que o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, fez “foi sair de uma armadilha”
“E acho que ele (Adalberto Costa Júnior) agora, vendo de longe, foi inteligente ao tornar público uma armadilha que lhe tinha sido posto”, notou.
Aludindo à intervenção do responsável do MPLA, em conferência de imprensa, Paulo Inglês acredita que o partido dos “camaradas” não esteja preparado para a transição, admitindo mesmo uma derrota do MPLA “pode causar instabilidade no país”.
Agora “parece que o que pode causar instabilidade é a derrota do MPLA, é tipo se o MPLA perder as eleições pode levar a instabilidade ao país, porque eles não põem sequer esta hipótese, quer dizer, isto é que é perigoso”, notou.
Porque, acrescentou, “dizer que é lunático quem pense que o MPLA possa perder as eleições isto é perigosíssimo, porque uma coisa é dizer que confiamos nas nossas ações e outra coisa é nem se quer colocar a hipótese, isto é perigosíssimo e isso não é democracia”.
Sobre a problemática da presença de cidadãos mortos no ficheiro informático dos cidadãos eleitores, assunto também abordado por Jú Martins e bastante criticado pela oposição e sociedade civil angolana, o sociólogo falou em “incoerência” das autoridades.
“O ponto não está, se os mortos estão no ficheiro ou não, o ponto está que o ministro (da Administração do Território) disse que não estariam, mas afinal estão, o que é incoerente é o discurso do ministro”, salientou.
“Como já temos um clima de desconfiança, acho que era importante ter-se o cuidado de não se deixar flancos abertos para desconfiança, mas isto não tem a ver com partidos políticos, mas sim com decência e cortesia”, justificou.
Os “elementos de desconfiança devem ser eliminados, porque quando o ministro apresentou o ficheiro garantiu retirar os mortos, mas os mortos persistem na base de dados”, rematou Paulo Inglês.
Hoje, em declarações à Lusa, Adalberto Costa Júnior reiterou ter mantido encontros com dirigentes do MPLA para abordar uma eventual transição pós-eleitoral e criticou os adversários por defender ilegalidades e ameaçar com instabilidade para se manter no poder.
As quintas eleições gerais da história política de Angola estão agendadas para 24 de agosto e oito forças políticas, já em campanha eleitoral, concorrem para o pleito.