Promovida pelo Instituto de Estudos de Segurança (ISS, na sigla em inglês), da África do Sul, e pela Fundação Hanns Seidel, da Alemanha, a videoconferência pretendia avaliar até que ponto “Serão as eleições em Angola uma disputa justa?" e a resposta foi unânime: não vão ser.
Borges Nhamirre, jurista e pesquisador no Centro de Integridade Pública de Moçambique e consultor do ISS de Pretória – o único não angolano do painel de conferencistas -, antecipou dois cenários.
No primeiro, o MPLA, partido no poder em Angola desde a independência, em 1975, ganha e haverá manifestações de protesto devido à dimensão da fraude que antecedeu o período pré-eleitoral e o processo de transmissão e compilação dos resultados e, no segundo, ganha a UNITA, principal partido da oposição, mas o MPLA recusa uma transição pacífica e haverá manifestações de protesto.
“A Comissão Nacional Eleitoral [CNE], que tem a competência legal de organizar a votação, e o Tribunal Constitucional [TC], que tem as competências de Tribunal Eleitoral e sobre cujas decisões não há recurso, já provaram que não são independentes”, afirmou.
Borges Nhamirre recordou que faltam 22 dias para a votação e que as autoridades angolanas “ainda vão a tempo de levantarem as barreiras que permitiriam a observação eleitoral independente”.
“A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral [SADC, na sigla em inglês] devia fazer duas coisas: uma é pressionar o Governo angolano para convidar missões independentes de observação eleitoral e a segunda é falar com os partidos políticos e a coligação [concorrentes às eleições de 24 de agosto] para prevenir a violência pós-eleitoral”, advogou.
Nhamirre referiu que esteve recentemente em Angola e falou com “muita gente”, desde os condutores de táxis a vendedores ambulantes, e a opinião que recolheu é que “as pessoas querem a mudança”.
“Não confiam na CNE nem no TC, o que quer dizer que não confiam nas eleições”, acrescentou.
Outro participante, José Gama, ativista baseado na África do Sul, analista e editor do Club-K, um portal de acompanhamento da situação social e política em Angola, defende que “a credibilidade das eleições está fora de questão” e deu vários exemplos.
O primeiro assenta na impossibilidade de uma eventual contestação aos resultados da votação, designadamente, numa ou várias assembleias de voto.
“A CNE é o único órgão de organização de eleições que não divulga os resultados a nível das assembleias de voto. Dá apenas os resultados a nível municipal e provincial, porque a empresa que continua contratar para a logística eleitoral, a espanhola Indra, e que aluga o ‘software’ em que são registadas essas votações leva-o consigo no final da votação, pelo que nem a CNE nem quem pretenda provar que houve fraude dispõe de resultados para anexar às queixas”, explicou.
Outro exemplo tem a ver com a transmissão das atas de voto, que não dispõem de espaço para registo do número de boletins de voto em cada assembleia de voto e do total de boletins que não foram utilizados.
José Gama deu ainda como exemplo o desrespeito legal da publicação até 30 dias da votação das listas de eleitores e respetivas assembleias de voto.
”Há milhões de eleitores que ainda não sabem onde podem votar e os mortos continuam a figurar na lista de eleitores”, acrescentou.
Por seu lado, Fernando Macedo, professor de Ciência Política e Direito Constitucional na Universidade Lusíada de Angola, corroborou as denúncias dos outros dois conferencistas e acusou a direção do MPLA de “manter pessoas com uma cultura de incompetência, autoritária e sanguinária, que não hesita em eliminar os adversários políticos”.
“Não há vontade de mudança. O MPLA, um verdadeiro partido-Estado, domina o legislativo e o judiciário e a verdadeira cultura política de quem está no poder é a da perpetuação no poder”, frisou.
Mais de 14 milhões de angolanos, incluindo residentes no estrangeiro, estão habilitados a votar em 24 de agosto, na que será a quinta eleição da história de Angola.
Desde que entrou em vigor a Constituição de 2010 que não se realizam eleições presidenciais, sendo o Presidente e o vice-presidente de Angola os dois primeiros nomes da lista do partido mais votado no círculo nacional.