Em entrevista à Lusa, Luaty Beirão, um dos coordenadores do Mudei, diz que o movimento nasceu face à falta de transparência do processo eleitoral que os seus membros consideram existir.
“Ninguém confia neste processo, isso é palpável, as pessoas estão crispadas, estão enervadas”, diz o músico e ativista, um dos 17 que foram presos e julgados em 2015 quando discutiam um livro sobre métodos pacíficos de protesto.
A desconfiança vai desde os cadernos eleitorais com “não se sabe quantos mortos” às “tropelias” feitas nos últimos meses e que, para Luaty Beirão, também conhecido como Ikonoklasta, revelam que não há vontade de promover um processo aberto, participativo e transparente.
“O que querem é que vamos fazer filas para tirar uma fotografia e dizer que a democracia está a funcionar, mas não têm intenção de nos fornecer os elementos que nos poderiam tranquilizar", justificou.
No centro de escrutínio paralelo, montado em Luanda, será possível carregar as atas síntese provenientes das assembleias de voto de todo o país numa plataforma eletrónica, tornando os resultados visíveis ao público.
Por lei, as atas sínteses devem ser afixadas em cada assembleia assim que terminar a contagem dos votos, e o movimento conta receber, através dos seus números de whatsapp e do Facebook, milhares de fotografias enviadas por pessoas, pertencentes ou não ao Mudei.
Os dados poderão ser visualizados à medida que vão sendo carregados, ao contrário do que tem acontecido com os resultados oficiais.
“A CNE [Comissão Nacional Eleitoral] é o órgão com responsabilidade de divulgar os resultados, mas não me parece que tenham criado um mecanismo de transparência assim, não me parece que vá acontecer. Infelizmente, para a democracia tem de ser um grupo de cidadãos a organizar-se, da melhor forma possível, para tornar públicos os resultados assim que se fecharem as assembleias de voto”, lamenta o ativista.
Já em 2017, o movimento procedeu a uma contagem paralela, contabilizando mais de 400 mil votos e conta agora com uma plataforma mais avançada onde é possível visualizar todas as assembleias do país, saber quantas mesas e quantos eleitores têm, bem como a sua localização geográfica precisa.
Luaty Beirão sublinha que a contagem é fidedigna, até mais do que a dos partidos “que são parte interessada nas eleições”, enquanto “a sociedade civil está interessada na transparência”.
Quem entrar no 'site' vai ter não só acesso aos números, mas também às fotos dos documentos, prevendo-se que seja cadastrado um elemento do Mudei em cada província para carregar as atas.
O responsável do Mudei criticou também a CNE, entidade responsável por fazer todas as credenciações, por não ter credenciado o movimento, apesar de o pedido ter sido feito com muita antecedência.
A justificação foi a de que o Mudei excedia já a quota dos 2.000 observadores aprovados, embora não se saiba exatamente quem são nem a que organizações pertencem.
As respostas (aos pedidos de credenciamento) foram recebidas tardiamente e todas negativas: “Não sabemos por que nos reprovam, quais são os critérios”, afirmou Luaty Beirão, considerando “ridículo” o número de observadores, cuja lista não foi divulgada publicamente.
“Esse poder que a CNE tem, tem sido usado até ao limite para condicionar a permissão de acesso à assembleia de alguns delegados de lista, nomeadamente da oposição. Se não houver delegados de lista em todas as mesas, a integridade dos resultados finais fica posta em causa”, alertou.
Luaty Beirão defende também a fiscalização do voto pelos eleitores, apesar de não tomar posição sobre o apelo “Votou/Sentou”, lançado pelo maior partido da oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), para que as pessoas se mantenham nas assembleias após o voto.
O ativista pede também a quem já votou que “verifique, controle, fique por lá e denuncie as coisas irregulares”.
Aos que decidem pelo “Votou/Bazou”, que tenham “pelo menos, a curiosidade de ir ver se a sua ata síntese foi afixada”.
Sobre o potencial para atrito com as autoridades, já que a CNE, o partido do poder, Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e outras forças políticas da oposição não veem com bons olhos o “Votou/Sentou”, considera que tal “só depende do comportamento e do tipo de coisas que vão acontecer nesse dia”.
“Quem levou as pessoas a este nível de desconfiança foi quem não promoveu um processo transparente”, realça Luaty, proclamando que “as pessoas vão usar do seu legítimo e constitucional direito à circulação e liberdade de informar e ser informadas”.
E acrescenta que quem quiser ficar perto das assembleias de voto, não está a cometer nenhuma ilegalidade.
“Se não houver manobras obscuras de quem quer a todo o custo manter-se no poder não vai haver necessidade de denúncias. Mas vai ser muito difícil fazer colar a história de que toda a gente, em todo o lugar, está a causar distúrbios”.
Luaty Beirão descreve Angola como “um Estado asfixiado”, em que a democracia existe no papel, mas não na prática e lamenta a falta de separação de poderes.
“Basta olhar para a televisão para se ver como se abusa dos órgãos de imprensa para beneficiar um concorrente e não há atuação para pôr cobro a isso. Nós interpusemos uma ação e não temos resposta, não dá para confiar na justiça”, comentou.
O Movimento Cívico Mudei (MCM) nasceu de um grupo formado para apoiar as organizações do Sul de Angola, no contexto do combate à seca e à pobreza, em agosto de 2021, e é constituído por “cidadãos, cidadãs e de organizações, preocupados com as disfunções do processo político angolano e com os riscos à integridade do processo eleitoral de 2022” com o propósito de contribuir para a criação de condições para garantir o voto universal.