Para Marcolino Moco, a maioria dos angolanos está desiludida com os resultados eleitorais oficiais, que deram vantagem ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975), porque esses dados não correspondem, no seu entender, à vontade popular nas eleições de 24 de agosto.
“Todos nós estamos tristes, mas está claro para todos quem é que ganhou (as eleições) e há um golpe, chamo isso golpe de Estado. Aliás, como jurista, digo que este golpe (de Estado) começou em 2010, quando se criou um Presidente da República que faz tudo, mas não responde perante ninguém”, disse hoje em declarações à Lusa.
“E terminou agora (o golpe de Estado) com roubo dos votos à oposição, sobretudo à UNITA/FPU [União para a Independência Ttal de Angola / Frente Patriótica Nacional] e depois meteram-se militares na rua com blindados”, numa “exibição no dia da tomada de posse em que os rostos, do Presidente da República e de toda a gente que estava lá eram tão tristes”, afirmou.
Os “rostos tristes” presentes na cerimónia de investidura do Presidente angolano, João Loureço, reeleito para o segundo mandato, frisou, “indicavam claramente que roubaram os votos da oposição”.
“Então, ninguém fica contente que o poder seja tomado dessa maneira pela exibição de forças em que a oposição teve o bom senso de não cair na esparrela de empurrar o povo para a morte”, salientou.
Marcolino Moco adverte que “haverá um dia”, caso o regime angolano persista nesta caminhada em “que contraria a vontade popular, ninguém conseguirá travar a população revoltada”.
“Como digo, haverá um dia, se se persiste nesta caminhada, se os homens honestos e sensatos do MPLA não põem fim a esse tipo de atitudes, haverá um dia que nem Adalberto (Costa Júnior, presidente da UNITA), nem Filomeno (Vieira Lopes, presidente do Bloco Democrático), nem Abel (Chivukuvuku, coordenador do projeto político Pra Já Servir Angola, que compõe a FPU) vão conseguir travar a população revoltada”, notou.
Porque, salientou, “a revolta anda na cara de muita gente, é visível, aqui mesmo antes de chegarmos vemos as caras e ninguém pode ficar contente perante uma situação desta, não é o poder, eu por exemplo não tenho ambição de mais poder nenhum”.
Mas, “fico triste porque, com esse tipo de regime, o país nunca vai avançar, nós com a idade avançada que já temos vamos morrer tristes por não sabermos deixar um país viável para os nossos filhos, para os nossos netos e bisnetos”, lamentou.
João Lourenço foi reeleito Presidente angolano, para a legislatura 2022-2027, na sequência das quintas eleições angolanas ganhas pelo MPLA e contestadas pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, maior partido na oposição), que elegeu 90 deputados e viu chumbado o seu recurso de contencioso eleitoral.
Após as eleições, as autoridades angolanas decretaram estado de prontidão combativa dos efetivos das forças de defesa e segurança, com presença considerável nas ruas de homens armados e de material bélico.
O presidente da UNITA, oposição angolana, disse, no sábado passado, que “o preço do poder não vale tudo, não vale o banho de sangue do povo”, em resposta aos que tencionavam ver a UNITA na rua para conquistar as instituições.
Adalberto Costa Júnior, que discursava hoje no final de uma marcha promovida, em Luanda, pelo seu partido, em prol da “esperança, liberdade e despartidarização das instituições”, disse que o “povo sabe quem venceu as eleições”.
O presidente da UNITA referiu que seu partido e parceiros foram pressionados à saírem à rua para conquistar as instituições, após a publicação oficial dos resultados das eleições, que deram vitória ao MPLA.
“Foram muitos, aqueles que esperam de nós a voz da rua como a via da conquista das instituições, foram muitos que nos pressionaram e que esperaram que nós déssemos voz de manifestações numa altura em que tínhamos as ruas cheias de repressão”, disse.
O ex-primeiro ministro da República de Angola e militante do MPLA enaltece o recuo de Adalberto Costa Júnior em avançar com ações de ruas.
“Parecia que se estava disposto a repetir o 27 de maio [de 1977, data de um alegado golpe de Estado falhado que causou milhares de mortos] ou repetir um 92 [reinício da guerra civil], por causa da manutenção do poder, acho que foi muito bem pensado por parte de Adalberto e seus parceiros ao enveredar por formas sempre pacíficas de luta”, referiu.
“Porque o que está em causa não é só assumir o poder, mas salvar Angola da carnificina, que já tem sido habitual, salvar Angola da integridade, que é o pouco existe e que funciona, e então esse sacrifício merece ser louvado”, assinalou.
Marcolino Moco, que declarou apoio na campanha eleitoral à UNITA, desvalorizou as críticas ao facto de os deputados da oposição terem tomado assento no parlamento.
Quem tem culpa, argumentou, “é aquele que monta uma CNE (Comissão Nacional Eleitoral) com um Manico (alcunha do presidente da CNE) em frente, que toda a gente sabe qual é seu perfil”.
“Quem tem culpa é que monta um Tribunal Constitucional dirigido por uma senhora que é membro do bureau político (do MPLA) e apenas suspendeu (a militância), este é que tem culpa e não é a UNITA, mas aqui parece que se invertem as coisas”, realçou.
No entender deste histórico militante e dirigente do MPLA, a ausência de Adalberto Costa Júnior na investidura de João Lourenço, “é normal” porque a situação “não era agradável” pelo facto de terem sido “roubados dos votos”.
Porque, justificou, “não é agradável naquele choque em todos nós tomamos, em que foram roubados os votos, um indivíduo aparecer aí, mas isso não significa não reconhecer o Presidente da República”.
“Quando há um golpe de Estado num país, temos de reconhecer quem tomou o poder pela força, porque se não, no mínimo não vamos comer, não vamos andar, porque vamos ser vítimas de retaliações”, acrescentou.
O também ex-secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) considerou ainda como relevante a presença da UNITA no parlamento e no Conselho da República porque é aí “onde a luta pelo bom funcionamento das instituições deve continuar”.
“Então, a melhor alegria a dar ao sistema é a UNITA comparecer às eleições e depois das eleições, mesmo roubadas, não participar nas instituições e aí teríamos uma grande alegria do sistema que voltaria naturalmente para o sistema do partido único, que já terminou em 1992”, notou.
Este problema “não é da UNITA só, é problema de um sistema que proclama democracia e não tem coragem de dizer que isso é uma ditadura e com uma certa cobardia proclama-se uma democracia onde ela não existe, então daí a importância da UNITA e de quem poder participar nas instituições para defendê-las”, rematou Marcolino Moco.