“De um modo geral, os atores políticos foram sempre manifestando que, fosse qual fosse o resultado, o desejo de paz era sincero e mútuo", pelo que "compreendo que o presidente da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola, oposição) estivesse preocupado com o facto de haver franjas da sociedade a reclamarem posicionamentos mais radicais”, disse à Lusa.
O ex-membro do Conselho da República, durante primeiro mandato de João Lourenço, considerou, no entanto, que nunca compreendeu a presença considerável de meios das Forças Armadas Angolanas (FAA) nas ruas, após as eleições.
“Posso entender a presença da polícia, mas já não posso entender a presença de militares na rua, acho que houve um posicionamento errado por parte das FAA e possivelmente de quem dirige as FAA”, sublinhou.
O presidente da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), maior partido na oposição, disse, no sábado passado, que “o preço do poder não vale tudo, não vale o banho de sangue do povo”, em resposta aos que tencionavam ver o partido na rua para conquistar as instituições.
Adalberto Costa Júnior, que discursava hoje no final de uma marcha promovida, em Luanda, pelo seu partido, em prol da “esperança, liberdade e despartidarização das instituições”, disse que o “povo sabe quem venceu as eleições”.
O presidente da UNITA referiu que o seu partido e parceiros foram pressionados à saírem à rua para conquistar as instituições, após a publicação oficial dos resultados das eleições, que deram vitória ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975).
No entanto, o ativista Osvaldo Caholo, considera que o “receio” da UNITA em sair à rua após as eleições, para “evitar um banho de sangue, uma possível insurreição ou desobediência civil”, traduz-se na “conivência” para com o sofrimento dos angolanos.
“Quando Adalberto Costa Júnior diz que o alcance do poder não deve valer um banho de sangue do seu povo, na verdade ele está a querer dizer que o MPLA jamais sairá do poder, porque em 2027 o MPLA vai fraudar as eleições novamente”, disse à Lusa.
“Revela cobardia e também acorda o povo de que a UNITA nunca fará nada para reverter o quadro e simplesmente é o povo, se o alcance do poder político não vale um banho de sangue em 2027 o MPLA vai meter novamente as tropas na rua”, frisou.
Para o conhecido ativista do processo 15+2, da era de José Eduardo dos Santos, a UNITA e o seu líder mostram estar coniventes com a má gestão do país.
“Isso acarreta vidas, quer dizer não se concorda com um banho de sangue do género de uma desobediência civil, mas se concorda com banho de sangue por via de terrorismo de Estado, ou seja, da desgovernação. Quantas pessoas dão entrada aos cemitérios? Os cemitérios recebem cerca de 100 caixões por dia”, criticou.
Caholo, acrescentou: “O povo angolano deve perceber que o MPLA finge ser democrata, a oposição finge ser oposição e a única que não é fingimento é o sofrimento do povo”.
Por outro lado, Fernando Pacheco, conhecido engenheiro agrónomo angolano e ator da sociedade civil, valorizou a presença da UNITA no parlamento, onde elegeu 90 deputados, e no Conselho da República, considerando que a decisão foi a correta.
“Mas, acho que a integração da UNITA foi salutar, na medida em que impede que se entre numa crise de ordem política, creio que neste aspeto a UNITA fez aquilo que deveria fazer”, notou.
O parlamento “é um espaço importante de luta política”, observou Fernando Pacheco, lamentando que, ao logo destes anos, isso nem sempre tenha acontecido, sobretudo por “falta de uma cultura democrática desenvolvida no nosso país”
Segundo o também membro do Observatório Político e Social de Angola (OPSA), o país tem necessidade de ter outros espaços de luta política, não apenas no parlamento ou na rua, mas sobretudo na comunicação social, “que ainda não cumpre o seu papel”.
“Infelizmente, no nosso país, fruto desse défice democrático que ainda temos, a comunicação social não cumpre o seu papel, não desenvolve atividades que permitam o contraditório, o debate, a troca de ideias, essa é uma luta que todas as forças políticas e sociais do país devem manter”, defendeu.
Pacheco saudou também alguma melhoria, que diz notar, nos órgãos de comunicação, sobretudo públicos, que “promovem alguns debates”, admitiu que o novo mandato governamental deverá enfrentar momentos difíceis e lamentou ainda o baixo nível da diversificação da economia e o alto nível de desemprego.
“Nós precisamos, não apenas de bons projetos, mas de capacidade para implementar esses projetos e infelizmente continuamos a ouvir dizer que vamos fazer projetos e quando se fala de projetos, fala-se principalmente do betão, e oiço falar muito pouco de melhoria e reforço das capacidades institucionais”, concluiu.