O relatório apresentado pela UNITA é abrangente e divide-se em três partes. O primeiro documento, com 89 páginas, detalha alegadas violações da Constituição por meio de crimes como corrupção, peculato, tráfico de influência e nepotismo. O segundo, um documento de 10 páginas com imagens documentadas, aborda assassinatos cometidos pela Polícia Nacional em Cafunfo, na província de Lunda-Norte. O terceiro detalha cerca de 226 despachos presidenciais que autorizam contratos facilitados sem concurso público, violando a lei de contratação pública.
Uma das acusações centrais envolve um contrato no valor de mais de 300 milhões de dólares, aprovado no início de 2018 pelo Presidente João Lourenço, a favor de um consórcio que inclui três empresas das quais o próprio Presidente é acionista.
A controvérsia gira em torno do Despacho Presidencial nº 67/18, de 13 de junho, que criou uma comissão intersectorial para a aquisição de terras. Posteriormente, o Despacho Presidencial nº 19/19, de 08 de fevereiro, autorizou um contrato de 344 milhões de dólares com a empresa SODIMO para a aquisição de um terreno na província de Luanda, destinado à construção do Bairro dos Ministérios.
De acordo com documentos apresentados pela UNITA, a SODIMO é composta por figuras proeminentes da oligarquia angolana, incluindo o próprio Presidente João Lourenço e personalidades ligadas ao Banco Angolano de Investimentos (BAI) e ao Grupo GEFI-SA.
Os documentos mostram os seguintes acionistas da SODIMO:
Banco Angolano de Investimentos (BAI) - João Manuel Gonçalves Lourenço (Presidente da República), Manuel Domingos Vicente, José de Lima Massano, Fernando da Piedade Dias Dos Santos, Roberto Victor de Almeida, Joaquim Duarte David, Júlio Bessa e José Carlos Paiva.
Sansul, S.A. do Grupo GEFI-SA - João Manuel Gonçalves Lourenço (Presidente da República) e Ana Paula Dos Santos.
Suninveste, S.A. - Ramzi Klink, cidadão libanês, e angolanos - Mário Leonel da Silva Correia, José Antunes Neto Queiroz e Ismael Diogo da Silva.
Dar-Angola, Lda. - Ramzi Ramez Klinke e Dar-AlHandasah.
Sommis, S.A. - António de Jesus Castelhano Maurício e Ismael Diogo da Silva.
A UNITA argumenta que isso levanta preocupações sobre conflito de interesses, corrupção e improbidade. A acção do Presidente é vista como uma violação da Constituição angolana e da Lei da Probidade Pública, além de potencialmente constituir crimes sob o Código Penal Angolano.
De acordo com a interpretação da UNITA, “Ao negociar por si ou por interposta pessoa, o Senhor Presidente da República fez negócio consigo próprio e nele buscou interesses patrimoniais e materiais, como resultado do envolvimento de empresas em que é accionista e que beneficiam directamente o MPLA.”
“O que configura negócio consigo próprio, o que é, por natureza, vedado a agentes e funcionários públicos no exercício das suas funções, constituindo um acto de improbidade e causa legítima de destituição”, lê-se no documento.
NEGÓCIOS PARA BENEFICIAR FAMILIARES DIRETOS
Em outro capítulo, o relatório apresentado pela UNITA aborda um caso de alegada má conduta política, no qual o Presidente da República de Angola está envolvido em transações que beneficiam seus familiares diretos, desrespeitando a Constituição e o interesse público, e violando as leis angolanas.
O referido relatório aponta para um grave caso de violação da Constituição e dos princípios da legalidade e da Probidade Pública, relacionado a uma transação tornada pública pelo Despacho no 47/18 do Ministério das Finanças, publicado em 20 de fevereiro de 2018.
Conforme esse despacho, em 12 de fevereiro de 2018, o Presidente da República orientou o Ministro das Finanças a proceder à venda direta de cinco aviões leves, sendo (2) dois do tipo Twin Otter e (3) três do tipo Beechcraft 1900, pertencentes ao Estado angolano. Esses aviões foram vendidos por ajuste direto, ou seja, sem concurso público, em favor da EAPA, da AIR JET e da SJL-Aeronáutica, que pertence ao General Sequeira João Lourenço, irmão do Presidente da República.
"Ciente da ilegalidade, possivelmente, o Ministro das Finanças, Archer Mangueira, preferiu 'subdelegar' poderes ao Diretor Nacional do Patrimônio do Estado, Valentim Joaquim Manuel, para o fazer. E assim, as aeronaves foram 'vendidas', 'por abate e alienação', sem concurso público, entre outros, a um parente direto do Senhor Presidente da República", lê-se no relatório da UNITA, que arrola como meio de prova.
A UNITA expressa a sua surpresa ao observar o Presidente da República, que afirma repudiar a gestão corrupta de seu antecessor, mas que, por outro lado, faz o mesmo.
"É impressionante ver um Presidente da República que declara manifestar repulsa à gestão corrupta de seu antecessor, mas opta igualmente por violar as leis e promover ilicitudes que visam dilapidar o Estado e enfraquecer suas empresas estratégicas, apenas para beneficiar interesses privados de uma oligarquia e seus familiares. Esses atos retomam ou pioram o cenário anterior, demonstrando o uso e a manipulação do poder presidencial para satisfazer interesses pessoais. Essas condutas também violam o juramento prestado aquando da tomada de posse e configuram crimes e ilícitos de violação da Constituição e da Lei, notadamente a Lei da Concorrência, a Lei da Probidade Pública e o Código Penal", afirma o relatório.
NEPOTISMO
O relatório da UNITA destaca também outros casos registados de nepotismo envolvendo o PR João Lourenço que no seu ver configuram violação à Constituição e à Lei da Probidade Pública.
O caso em questão gira em torno da nomeação da filha do Presidente, Cristina Giovana Dias Lourenço, para o cargo de Administradora Executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). De acordo com a UNITA, essa nomeação foi realizada através da influência direta do Presidente, que orientou a Ministra das Finanças a nomear sua filha para essa posição-chave.
Cristina Lourenço, que na época não tinha sequer cinco anos de experiência pós-licenciatura e detinha uma categoria de técnica superior de 2ª classe, havia sido nomeada diretora no Ministério das Finanças. No entanto, logo depois, ela assumiu a administração executiva da BODIVA, uma instituição complexa ligada ao mercado financeiro. Essa nomeação levanta questões sobre a qualificação e experiência necessárias para tal cargo.
Em maio de 2020, o Ministério das Finanças confirmou a dispensa de Cristina Lourenço para dirigir os departamentos de Finanças e Patrimônio e de Comunicação e Intercâmbio da Bolsa angolana. Este momento coincide com a autorização, emitida pelo Presidente da República, para a privatização do Banco de Comércio por meio de um leilão em bolsa direcionado para um grupo restrito de candidatos.
A nomeação de Cristina Lourenço através de uma "interposta pessoa" não exime a responsabilidade do Presidente da República. A Ministra das Finanças é considerada uma auxiliar do Presidente, de acordo com a Constituição angolana, e suas ações estão sujeitas a suas diretrizes. Isso levanta preocupações sobre possíveis violações da Lei da Probidade Pública e do Código Penal Angolano, especificamente no que diz respeito ao tráfico de influências.
Além disso, essas ações são vistas pela UNITA como uma violação do princípio da legalidade e, consequentemente, do Estado Democrático de Direito. O Presidente da República, que jurou cumprir e fazer cumprir as leis da República, enfrenta acusações de violação desses princípios fundamentais.