A transição de José Eduardo dos Santos para João Lourenço não correu como o esperado pelos apoiantes do antigo Presidente. Esse facto ficou logo patente após a tomada de posse de João Lourenço, em setembro de 2017, e na estratégia que delineou para afastar do círculo do poder os mais próximos de Eduardo dos Santos, a qual lhe valeu o epíteto de “exonerador implacável”.
O resto da história é conhecido. O império empresarial de Isabel dos Santos foi reduzido a cinzas, José Filomeno dos Santos condenado a uma pena de prisão de cinco anos e Tchizé dos Santos, embora sem qualquer acusação, continua a viver fora de Angola.
A ação de João Lourenço, sustentada no combate à corrupção e ao desvio de fundos públicos, granjeou-lhe apoio internacional e lastro para proceder a mudanças no aparelho de Estado. Não fosse a covid-19 e os efeitos devastadores que teve na economia mundial, ainda mais evidentes em países com fragilidades estruturais como Angola, o atual chefe de Estado poderia estar a caminho de uma reeleição tranquila.
A crise económica com naturais repercussões sociais, aliada a uma perda da aura inicial, põe bastantes reservas sobre os resultados efetivos das eleições gerais que se realizarão em agosto de 2022.
Todavia, o ímpeto reformista de João Lourenço não se traduziu numa abertura da sociedade. Antes pelo contrário, a reverência ao inquilino do Palácio da Cidade Alta, uma herança de José Eduardo dos Santos, mantém-se viva.
Subordinação aos sinais do Palácio da Cidade Alta
Uma ilustração deste estado de coisas é visível na notícia divulgada pelo site Club K, de que figuras de proa do MPLA, casos de António Domingos Pitra Costa Neto, Julião Mateus Paulo (‘Dino Matrosse’) e Ismael Gaspar Martins, se preparam para visitar José Eduardo dos Santos, o qual se encontra em Luanda desde setembro do ano passado, “encorajados” pelo encontro natalício que João Lourenço teve com o seu antecessor.
A explicação para só tomarem a iniciativa agora, que o Club K atribui a ‘Dino Matrosse’, é a de que “uma visita antes da realização do congresso do MPLA daria azo a interpretações adversas”.
Na realidade, esta opção mostra que o reverencialismo, combinado com o receio de represálias, continua a ser dominante. O calculismo sobrepõem-se a qualquer outro sentimento. Ou seja, só depois de João Lourenço dar o primeiro passo é que aqueles que um dia foram próximos de José Eduardo dos Santos se sentiram suficientemente seguros para o visitar na sua casa situada no bairro do Miramar.
Mais do que qualquer laço de amizade, o que prevaleceu foi a subordinação aos sinais transmitidos pelo Presidente da República. Para quem tinha dúvidas de que o poder de uma pessoa não emana do próprio nem do seu caráter, mas sim do cargo que ocupa, o ocaso de José Eduardo dos Santos esclarece-as por completo. E é também uma indicação de que comportamentos do passado continuam a ser mimetizados na atual legislatura, os quais, por falta de vontade ou incapacidade, João Lourenço ainda não foi capaz de mudar.
Jornal de Negócios