Violência em Luanda agrava tensão entre MPLA e UNITA

O que começou como greve de taxistas gerou uma vaga de contestação que se traduziu em tumultos em certas zonas da capital angolana. Governo e oposição trocam acusações de aproveitamento político

“O ano está a começar mal.” Foi com estas palavras que o sociólogo Bernardo Guimarães enquadrou, em declarações ao Expresso, a vaga de distúrbios sem precedentes que esta segunda-feira sacudiu a capital angolana. O rastilho dos tumultos, relacionado com protestos de jovens afetos a associações de taxistas, atingiu o ponto de ebulição com a destruição das instalações do comité do MPLA — partido governante — no distrito urbano de Benfica.  

Jornalistas dos canais TVZimbo e TV Palanca, controlados pelo Governo, por pouco não foram alvo de linchamento por parte de grupos de jovens enfurecidos. O caos alastrou às zonas de Cacuaco e Viana, ao assumir contornos políticos, e fez de imediato aumentar a tensão entre o MPLA e a UNITA, o maior partido da oposição angolana.

Bento Bento, primeiro secretário do MPLA em Luanda, não hesitou em apontar o dedo a UNITA como alegada instigadora da onda de vandalização de bens públicos e das instalações do partido no poder. “Trata-se de um plano inteligentemente urdido pela UNITA”, afirmou aquele alto dirigente do MPLA. As redes sociais foram utilizadas por membros desta formação para condenar o alegado envolvimento da oposição nos distúrbios, depois de João Lourenço ter desferido violenta acusação à UNITA na semana passada.

Em entrevista a um grupo de jornalistas angolanos na rentrée política pós-natalícia, o Presidente assegurou que a oposição tem estado “a mobilizar jovens para praticar atos de vandalismo”. E acrescentou: “Se pôr jovens descontentes na rua a queimar pneus e partir vidros de carros é sinal de que o descontentamento contra o MPLA é assim tão grande, e que vão derrotar o MPLA nas próximas eleições, é bom que continuem a pensar assim”.

Governo acusa UNITA de populismo

Na sequência das declarações do chefe de Estado, o Bureau Político do MPLA condenou “o aproveitamento populista de uma reivindicação de parceiros do Estado” e incitou os órgãos de justiça a aplicarem “punição exemplar” aos que atentam contra a integridade dos bens públicos e individuais. Em resposta às acusações, Maurílio Luiele, vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA, disse ao Expresso que “é hora de o MPLA sacudir e espantar os seus fantasmas, pois só assim será capaz de ter soluções, ou arrisca-se a travar uma luta quixotesca”.

O dirigente do maior partido da oposição qualificou os acontecimentos desta segunda-feira como “sintoma agudo da exasperação dos cidadãos face à falência das políticas sociais de um Governo que se revela incapaz de dialogar com os parceiros sociais, reservando-se o direito de resolver sozinho o mar de problemas que ameaçam afogar o país”. E concluiu: “O que se passou é um aviso muito sério à navegação do MPLA, mas, se não se enveredar pelo diálogo transversal e inclusivo, dificilmente promoverá o ambiente ameno e de estabilidade necessário para as eleições deste ano”.

A cúpula da UNITA negou, de forma categórica, qualquer envolvimento neste caso. E apelou ao Governo para “dialogar com o povo, comunicar com os sindicatos e resolver as exigências dos seus cadernos reivindicativos”.

Taxistas fazem reivindicações

Na génese dos desacatos estará uma greve promovida unilateralmente por uma fação de taxistas, agora acusada de ter violado o acordo a que as suas associações haviam estabelecido com o Executivo, em conjunto, na semana passada. Durante as negociações, os taxistas acabaram por vencer o braço de ferro, tendo o Governo recuado nos seus intentos e ido além dos 75% de limite de ocupação das viaturas exigidos pelas associações de táxis.

Os taxistas reclamam ainda direito à segurança social e acesso a carteira profissional. “Compreendemos o direito a greve, mas o que tem uma greve que ver com a destruição das instalações de um partido político?”, interroga-se Filipe Comandala, diretor provincial dos transportes.

Com o sistema de transportes públicos bloqueado, a população passou a enfrentar sérios problemas de mobilidade durante horas. “Muitos cidadãos chegaram a ser impedidos de ir trabalhar”, contou ao Expresso a empregada bancária Anastácia Gomes.

Grupos de jovens tomaram conta das ruas, montaram barricadas, queimaram bandeiras do MPLA e desencadearam uma onda de destruição, que afetou uma das instalações do partido e um autocarro de um Centro de Hemodiálise adstrito ao Ministério da Saúde. 

Reivindicando o mesmo tratamento dado pelas autoridades aos transportes públicos quanto a medidas de biossegurança, as associações de taxistas também se demarcaram desta vaga de violência. A intervenção dos “ninjas” acabou por ser determinante para a neutralização dos insurretos. No rescaldo dos desacatos foram detidos 17 manifestantes, que vão ser alvo de julgamento sumário.

EXPRESSO