Teixeira Cândido, que falava à Lusa, disse que o juiz da causa, Edson Escrivão, impediu os jornalistas de acederem à sala de audiências do julgamento, no passado 11 de fevereiro, a pedido da defesa para não expor o seu constituinte.
Porém, observou, “segundo o artigo 101 do Código do Processo Penal [CPP], o facto de o arguido ter solicitado que não fosse exposto, não impedia que a imprensa estivesse lá para gravar a acusação ou para gravar, por exemplo, a interação do juiz”.
“O CPP diz, nos termos do artigo 101, que a captação de imagens, som e a sua divulgação careciam da autorização da pessoa, ora, se a pessoa diz que não quer ser exposta, não está a dizer que os jornalistas não possam ter acesso à audiência e não possam, por exemplo, gravar outras imagens, contando que não exponham ele em particular”, assinalou Cândido.
“Portanto, não consegui perceber o posicionamento do juiz que acedeu ao pedido da defesa e impediu que os jornalistas pudessem gravar, por exemplo, a acusação. Onde é que foi buscar o fundamento?”, questionou.
Antes do início do julgamento, a defesa de Carlos São Vicente promoveu a aproximação aos jornalistas e criou até um portal dedicado ao caso, questionando sempre o que considerou serem “arbitrariedades” e “ilegalidades” cometidas pela justiça angolana.
O julgamento deveria ter ido início em 26 de janeiro, mas foi adiado para 11 de fevereiro devido à notificação tardia do arguido.
Nesse dia, o seu advogado francês, François Zimeray, falou à imprensa no tribunal de Luanda, voltando a criticar a detenção do empresário angolano, pelo excesso de “prisão preventiva”.
Também a mulher de Carlos São Vicente, Irene Neto, filha do primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, disse aos jornalistas que esperava que fosse feita justiça.
Na sexta-feira passada, os jornalistas de distintos órgãos nacionais e estrangeiros foram impedidos de entrar na sala de audiências do Tribunal da Comarca de Luanda, onde teve início o julgamento do empresário Carlos São Vicente, indiciado dos crimes de peculato e fraude fiscal.
Um oficial de justiça informou os jornalistas de que estes não deveriam captar imagens nem áudio, mas apenas tomar notas, o que os profissionais da imprensa recusaram por considerarem um impedimento pelo facto de se tratar de uma audiência pública.
Teixeira Cândido, que na semana passada condenou o impedimento dos jornalistas, considerando tratar-se de uma “arbitrariedade”, defendeu que a imprensa “deve manter o boicote” ao julgamento por estar-se diante de uma “clara falta de respeito ao trabalho dos profissionais”.
“Quando o CPP prevê, nos termos do artigo 95 que as audiências são públicas e que isso significa que os jornalistas podem divulgar as peças e os elementos constantes no processo, desde que respeite elementos ou peças que ofendam a reserva da vida privada”, frisou.
O secretário-geral do SJA reafirmou que, à luz do CPP, os jornalistas teriam acesso à sala de audiências: “E só poderíamos respeitar elementos que pudessem comprometer a vida privada do arguido”.
“Por isso, devemos manter o boicote, se não somos respeitados é porque não somos úteis, e se não somos úteis, então que façam eles o trabalho”, rematou o jornalista angolano.
A Lusa contactou hoje uma fonte ligada à defesa, mas ainda não foi possível obter esclarecimentos sobre os impedimentos colocados agora aos jornalistas.
Irene Neto atendeu o telefone, mas rejeitou a chamada da Lusa após dizer que não podia falar.
Edson Escrivão é o juiz da causa no julgamento que decorre à porta fechada na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Comarca de Luanda.
O empresário luso-angolano está acusado de vários crimes, entre os quais fraude fiscal continuada durante cinco anos, com valores superiores a mil milhões de euros, segundo o despacho de acusação.
Além do crime de fraude fiscal, o empresário é ainda acusado de peculato e de crime de branqueamento de capitais de forma continuada.
De acordo com a acusação, o empresário, que durante quase duas décadas teve o monopólio dos seguros e resseguros da petrolífera estatal angolana Sonangol, terá montado um esquema triangular, com empresas em Angola, Londres e Bermudas, que gerou perdas para o tesouro angolano, em termos fiscais, num montante acima dos 1,2 mil milhões de dólares (mais de mil milhões de euros).
Com este esquema, e segundo o mesmo documento, Carlos São Vicente, dono de um dos maiores grupos empresariais privados de então em Angola, terá também conseguido não partilhar lucros do negócio dos seguros e resseguros com outras cosseguradoras, como a seguradora pública ENSA, prejudicando, deste modo, estas empresas, bem como a própria Sonangol.
Para a acusação, Carlos São Vicente criou a partir de determinada altura uma "espécie de negócio consigo próprio, dentro do grupo AAA [de que era proprietário], causando o desvio de fundos públicos".
Com este esquema, quando um segurado o contactava, através da AAA Seguros, em Angola, o empresário faria contratualização com empresas do grupo fora do país, fugindo aos impostos em Angola.
Esta estrutura "em nada veio a beneficiar o Estado angolano" e "apenas beneficiou o grupo de empresas AAA", lideradas e já controladas, na altura, por Carlos São Vicente, referem os magistrados do Ministério Público.