Depois de ter cumprido um longo itinerário de perto de 3.500 milhas náuticas — entre Luanda, Gabão, Senegal e Espanha, portos onde a embarcação pesqueira chegou a atracar —, o Simione acabou fretado no Senegal, por uma organização galega ligada ao narcotráfico, com a finalidade de o enviar para um ponto indeterminado do Atlântico, como se fosse uma das centenas de barcos pesqueiros galegos.
A Guarda Civil espanhola, que já andava no encalço da organização, fruto das investigações às idas e vindas dos membros da organização por África, montou uma operação que contou com a colaboração das autoridades senegalesas, mas também da agência anti-drogas norte-americana (a conhecida DEA) e da Agência Nacional Anti-crime do Reino Unido.
Além de se tratar de uma embarcação furtada em Angola, uma outra coincidência que salta à vista é o facto de a quantidade de cocaína apreendida no navio Simione, nas Ilhas Canárias, assemelhar-se à capturada pelo SIC, no Porto de Luanda, em Setembro de 2022, e cujo destino até hoje as autoridades angolanas não souberam explicar publicamente.
O que se sabe, entretanto, é que a operação no Porto de Luanda acabaria por custar caro a todos os efectivos do SIC que nela estiveram envolvidos, desde o responsável ao pessoal administrativo. O !STO É NOTÍCIA sabe, inclusivamente, que, após a apreensão da elevada quantidade de cocaína (três toneladas), por ordens não se soube de quem, a equipa ali destacada foi toda substituída.
Navio era dado como furtado em Luanda
A notícia da apreensão da droga e, por conseguinte, do Simione, avançada pelo jornal espanhol El País, ajuda a compreender algumas ‘pontas soltas’ do até então “misterioso sumiço” do navio pesqueiro, que, desde o dia 31 de Outubro passado, se encontrava “estacionado” na unidade da Polícia Fiscal da Ilha do Cabo, em Luanda, na sequência de um mandado de busca, revista e apreensão emitido pelo Ministério Público junto do SIC.
De cor preta e risca vermelha, com a chapa de matrícula 0022-26/29/SIM/2010, o navio Simione já era, à data do seu desaparecimento, objecto de um litígio, envolvendo as empresas Edison Nog (SU), Lda., e a Cuane Orimara, Lda., representadas, respectivamente, pelo cidadão chinês Lou Lin e pelo angolano Afonso Francisco Manuel.
Contrato de exploração do ‘Simione’
Em Agosto de 2020, ambas as empresas chegaram a um acordo para que o navio passasse à gestão do empresário chinês Lou Lin. No contrato assinado por ambas e ao qual este portal teve acesso, a empresa Edison Nog (SU), Lda., comprometeu-se a fazer um investimento financeiro para a reparação e manutenção da embarcação, que se encontrava num estado bastante avançado de degradação.
O valor investido, para a recuperação do navio chegou a atingir os 329.468.444,00kz (trezentos e vinte e nove milhões, quatrocentos e sessenta e oito mil e quatrocentos e quarenta e quatro kwanzas).
Rompimento do contrato
Entretanto, em Outubro do ano passado, isto é, após dois anos de actividade, o representante da empresa Cuane Orimara, Lda., Afonso Francisco Manuel, deslocou-se ao Porto Amboim, na província do Kwanza-Sul, onde se encontrava o navio Simione em serviço, e decidiu, unilateralmente, romper com o contrato, alegando não quer mais trabalhar com o empresário chinês, sem, no entanto, avançar mais pormenores.
Recorrendo aos Serviços de Migração e Estrangeiros (SME), Afonso Francisco Manuel começou por alegar que a tribulação se encontrava em situação migratória irregular, o que levou a que aquele órgão convidasse os membros da mesma a abandonar o navio para que fossem verificados todos os documentos pessoais e migratórios.
Depois de abordada e ter-se verificado que tudo não se passava de um equívoco, a tripulação já não pôde voltar ao navio, uma vez que o empresário Afonso Francisco Manuel se negou a permitir que tal acontecesse, tendo, de seguida, colocado uma outra tripulação no comando da embarcação.
Queixa-crime
Resignado, o empresário chinês, que, à data dos factos também se encontrava no Porto Amboim, decidiu regressar a Luanda, onde abriu uma queixa-crime contra a empresa Cuane Orimara, Lda., com a qual havia firmado um contrato de exploração da embarcação Simione.
É na sequência deste processo, desencadeado junto do SIC Luanda, que a magistrada do Ministério Público emite um mandado de busca, revista e apreensão do navio; mandado esse executado no dia 31 de Outubro de 2022, quando o navio já se encontrava em Luanda, na zona do Porto Pesqueiro, no município do Cacuaco.
Como era objecto de litígio, e não dispondo o SIC de um parque onde pudesse colocar a referida embarcação, o navio Simione foi encaminhado para a unidade da Polícia Fiscal, na Ilha do Cabo, onde lá ficou sob a guarda desta, enquanto decorria o processo intentado pela empresa Edison Nog (SU), Lda.
O ‘estranho sumiço’ do navio na Polícia Fiscal
No dia 28 de Novembro de 2022, isto é, um mês depois de o navio ter sido apreendido, a mesma magistrada do Ministério Público que ordenou o mandado de busca, revista e apreensão do navio, mandou emitir um ‘termo de entrega’, a favor do empresário chinês Lou Lin, constituindo-o como ‘fiel depositário’ da embarcação.
Nesse mesmo dia, o Serviço de Investigação Criminal, juntamente com o empresário chinês, deslocou-se à unidade da Polícia Fiscal da Ilha do Cabo, e, para o espanto e surpresa de todos, o navio Simione já lá não se encontrava.
Estranhamente, nem o comandante da unidade, nem mesmo os efectivos da Polícia Fiscal sabiam dizer onde se encontrava a embarcação. Aliás, o próprio comandante da unidade chegou a afirmar que nem sequer manteve contacto visual com a mesma, quando, na verdade, a embarcação havia sido deixada defronte à janela do seu gabinete de trabalho.
Caça ao navio
A partir desse momento, o SIC intensificou as investigações, arrolando todos os intervenientes, e principalmente o representante da empresa Cuane Orimara, Lda., Afonso Francisco Manuel, que, ao que apurou o !STO É NOTÍCIA, num primeiro momento, teria admitido ter estado envolvido no sumiço da embarcação. Versão invertida logo a seguir.
Contactado por este portal em Dezembro passado para reagir à matéria do desaparecimento do navio, Afonso Francisco Manuel negou prestar declarações, alegando não estar “autorizado” pelo seu responsável —Orlando André Bento da Graça — a falar com a imprensa, quando, à luz do contrato, era ele a pessoa que respondia pelo navio, inclusive sobre o processo junto do SIC.
Destino: Gabão, Senegal e Espanha
Já no mês de Dezembro, fruto de um contacto mantido com o exterior do país, a empresa Edison Nog (SU), Lda., conseguiu a primeira “informação segura” sobre o paradeiro do Simione, que, nessa altura, se encontrava no Gabão.
Poucos dias depois, a embarcação zarpou Atlântico acima, atracando no Senegal, onde ficou também poucos dias, tendo-se dirigido pouco depois para a Espanha.
Porém, soube-se depois que a tripulação envolvida no furto do navio em Luanda e que a levou até ao Senegal foi substituída e deixada a ‘deus-dará’ no país africano, tendo esta recorrido, inclusive, à Embaixada de Angola em busca de ajuda para regressar à capital angolana.
Tripulação proibida de falar com o SIC
No seu regresso ao país, os membros da tripulação que levou o Simione de Luanda para o Senegal teriam, supostamente, recebido orientações do representante da empresa Cuane Orimara, Lda., Afonso Francisco Manuel, para não prestarem quaisquer depoimentos ao SIC.
Entretanto, o !STO É NOTÍCIA tentou voltar ao contacto com Afonso Francisco Manuel mas sem sucesso, porque este já não atendia a nenhuma das chamadas.
Até às últimas informações a que este portal teve acesso, o caso continuava a correr trâmites junto do SIC Luanda, onde era suposto o empresário Afonso Francisco Manuel regressar para voltar a ser ouvido.
O navio Simione, de 46 metros de comprimento, é uma embarcação com 21 anos. A Cuane Orimara, Lda., teve acesso à embarcação através da empresa Supermar, Lda., que tem um contrato de pagamento a prazo do navio Simione com o FADEPA – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria Pesqueira e da Aquicultura, órgão afecto ao Ministério das Pescas e Recursos Marinhos.
ISTO É NOTICIA