No capítulo dedicado a Angola do seu relatório anual, hoje publicado, a organização não-governamental recorda que em 2021 entrou em vigor o novo código penal em Angola, que substituiu uma lei obsoleta, de 1886, que ainda punia aqueles que “habitualmente se entregam à prática de vícios contra a natureza” e que limitava o acesso a emprego, à saúde e à educação aos homossexuais, bissexuais e transgénero.
“Há aspetos que merecem a nossa apreciação positiva. Mas para a dimensão dos problemas de direitos humanos de Angola ainda há muito trabalho para se fazer. (…) Por exemplo, no que diz respeito à atuação das forças de defesa e segurança, muito pouco mudou”, disse a representante da HRW para Angola, Zenaida Machado, em conversa telefónica com a Lusa desde Maputo.
Segundo o relatório, em 2021 as forças de segurança angolanas “continuaram a ser implicadas em graves violações dos direitos humanos, incluindo execuções sumárias, uso excessivo de força contra manifestantes pacíficos e detenções arbitrárias”.
No relatório recordou-se que, em 30 de janeiro, a polícia matou pelo menos 10 manifestantes quando “disparou indiscriminadamente contra as pessoas que se tinham juntado pacificamente para exigir melhores serviços públicos” na cidade de Cafunfo, na província de Lunda Norte.
“É uma deceção enorme ver que as forças de defesa e segurança de Angola continuam a agir da mesma forma, como se quem pacificamente protesta contra o regime fosse um inimigo do Estado”, disse Zenaida Machado, comparando a situação atual com a do regime do ex-Presidente José Eduardo dos Santos porque havia “expetativas positivas em relação” ao Presidente João Lourenço.
A responsável defendeu a “necessidade urgente de reestruturação e reforma das forças de defesa e segurança” angolanas, o que passa por “formação em aspetos de direitos humanos, e a “implementação urgente e eficiente” da estratégia de direitos humanos aprovada há dois anos pelo Governo.
De acordo com Zenaida Machado, a HRW lamenta também a forma como o Governo de Angola está a gerir a crise alimentar no sul do país, que segundo o relatório deixou em situação de fome severa mais de 1,3 milhões de pessoas nas províncias de Cunene, Huíla e Namibe, incluindo 114 mil crianças com menos de 5 anos.
Segundo a governadora do Cunene, citada no documento, esta crise terá levado a um movimento de pessoas “nunca antes visto”, com 4.000 pessoas deslocadas dentro da província e outras 2.000 na Namíbia.
Zenaida Machado disse que a HRW recebeu informação através das autoridades da Namíbia de que crianças terão morrido durante o ano de 2021 porque chegaram à Namíbia demasiado malnutridas e não foi possível salvá-las.
“A forma leve como o Governo de Angola tem estado a gerir o problema preocupa-nos”, disse, apelando a “medidas concretas para proteger aquela população (…) e colaboração eficiente e eficaz com os países vizinhos” para que as autoridades angolanas possam apoiar os refugiados.
No relatório, a organização lamentou também que as autoridades continuem a usar “leis draconianas” para limitar o trabalho dos jornalistas e alertou que milhões de angolanos em todo país veem negado o direito a informação livre, diversa e imparcial, já que o país é o único da África austral sem estações de rádio comunitárias, e recorda que as autoridades reduziram o número de televisões privadas quando suspenderam três canais em abril, o que resultou na perda de centenas de empregos.
No documento sublinhou-se também o problema da violência sexual contra crianças, recordando-se que em junho o Instituto Nacional da Criança (INAC) revelou que mais de 4.000 crianças com menos de 14 anos tinham sido vítimas de abuso sexual desde junho de 2020, na maioria meninas de Luanda vítimas de vizinhos ou amigos da família.
Em setembro, lembrou ainda a organização, o Governo revelou a existência de uma rede de prostituição infantil na aldeia de Cahota, província de Benguela, alegadamente controlada por migrantes chineses, tendo sido noticiados dezenas de casos de meninas, algumas de 13 anos, grávidas dos seus predadores.
As autoridades detiveram pelo menos um suspeito, mas o Governo não revelou que tipo de assistência foi fornecida às vítimas, disse a ONG.