O julgamento de Carlos São Vicente, preso desde setembro de 2020 sob acusação de peculato, fraude fiscal e branqueamento de capitais, começaria hoje na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Comarca de Luanda, mas foi adiado devido à "notificação tardia" ao arguido.
Marcado inicialmente para as 09:00 locais (menos uma hora em Lisboa), a sessão teve início apenas hora e meia depois numa sala que foi pequena para acolher os familiares de Carlos São Vicente, que se apresentou com uma condição física visivelmente debilitada, além de jornalistas e demais interessados no processo.
O juiz da causa, Edson Escrivão, apresentou como nota prévia a leitura de um requerimento da defesa que solicitava o adiamento da sessão pelo facto de o réu ter sido notificado apenas no dia 18 de janeiro de 2022, documento que foi deferido.
"O réu foi notificado apenas no dia 18 de janeiro de 2022, razão pela qual a defesa requereu o adiamento da audiência com base nestes fundamentos e este requerimento foi deferido tendo a audiência, então, sido marcada para o próximo dia 11 de fevereiro de 2022 às 09:00 nesta mesma sala", argumentou o juiz.
O tribunal deverá igualmente avaliar neste período outros requerimentos apresentados pela defesa.
O empresário, casado com Irene Neto, filha do primeiro presidente angolano, António Agostinho Neto, está preso preventivamente desde setembro de 2020 e é acusado de vários crimes, entre os quais fraude fiscal, envolvendo valores superiores a mil milhões de euros, peculato e branqueamento de capitais.
De acordo com a acusação, o empresário, que durante quase duas décadas teve o monopólio dos seguros e resseguros da petrolífera estatal angolana Sonangol, terá montado um esquema triangular, com empresas em Angola, Londres e Bermudas, que gerou perdas para o tesouro angolano, em termos fiscais, num montante acima dos mil milhões de euros.
O francês François Zimeray, um dos advogados de Carlos São Vicente, presente hoje no tribunal, em Luanda, voltou a criticar a detenção do seu cliente, sobretudo a sua "excessiva prisão preventiva", augurando, no entanto, que seja feita a justiça.
"Viemos como observadores acreditando que a justiça será feita, é a primeira fez que assisto a uma audiência judicial em Angola. Na minha qualidade de advogado e embaixador dos direitos humanos em muitos tribunais do mundo fiquei surpreendido por se ter parecido mais a uma conferência de imprensa do que propriamente uma audiência de julgamento", disse aos jornalistas.
Para François Zimeray, hoje, no início da sessão adiada, o juiz da causa em momento algum se dirigiu ao acusado ou à defesa: "Não olhou sequer para eles, e espero que seja feita a justiça e que o tribunal ponha termo a algo que nada tem a ver com a justiça".
"Chamo a atenção para o facto de a lei em Angola permitir apenas um ano de prisão preventiva como limite, mas este prazo já foi ultrapassado", observou o advogado francês, referindo que "todas as pessoas, pobres ou ricas, têm direito a um julgamento justo".
Já a mulher do empresário, Irene Neto, membro do comité central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975) lamentou a condição física de Carlos São Vicente, admitindo que este "emagreceu muito".
Para este julgamento, disse apenas: "Vamos esperar justiça".
As autoridades judiciais angolanas ordenaram a apreensão de bens e contas bancárias pertencentes ao empresário, dono da AAA Seguros, tendo a Procuradoria-Geral da República de Angola pedido também o congelamento de contas bancárias e apreensão de bens de Irene Neto.