Ucrânia/Rússia: a escalada da guerra - Alcides Sakala

Terminada a segunda-guerra mundial em 1945,  com as consequências dela resultantes no plano mundial, como a reconfiguração das relações internacionais, o surgimento de dois blocos e o início da guerra-fria, ostracizou-se a importância das escolas de Geopolítica.  Acreditava-se que elas se tinham desviado dos seus objectivos, enquanto ciência, e se transformado em instrumentos de propaganda, ao serviço de poderes hegemónicos totalitários. 

Entre estas, destacou-se a Escola de Geopolítica de Munique, considerada “ suporte conceptual do nacional-socialismo alemão, do nazismo e do expansionismo bélico hitleriano.” Sarcasticamente, os próprios países vencedores da II Guerra Mundial, Estados Unidos da América, França, Inglaterra e União Soviética,  consideraram a geopolítica, “ como uma ciência alemã, justificativa do espaço vital, da pretensa superioridade racial germânica, da vontade de conquista de Hitler “ , como sublinha Pezarat Correia. ( 128-2010).

Setenta e sete  anos depois, Vladimir Putin faz estremecer a Europa com ameaças de uso  de bombas atómicas, químicas e biológicas, fazendo  ressurgir o espectro de uma terceira guerra mundial.  

De facto, com a guerra de invasão por si iniciada na Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, procura materializar,  no  seu pensamento geopolítico, a megalómana ideia de criar um poder hegemónico, “ a Grande Rússia”, a imagem da ex-União Soviética,  com a intenção de construir    uma  “ Eurásia aberta de Lisboa a Vladivostok”, conforme declarou, nesta terça-feira, Dmitry Medvedev‎, antigo primeiro-ministro e ex-presidente da Rússia. Fica, assim, percebida nessas palavras, o conceito de espaço vital no pensamento dos dirigentes do Kremelin.

Com essa invasão,  a Europa mudou. Milhões de refugiados atravessam todos os dias as fronteiras do país para refúgio nos países vizinhos. E os deslocados internos  continuam vítimas dos horrores da guerra. Este movimento de pessoas que fogem da guerra é o maior fluxo de homens, mulheres e crianças que o mundo testemunha depois do fim da II Guerra Mundial. Fogem de uma guerra que Putin desejava rápida, que vai no 48º dia, com consequências devastadoras para a sua economia, à braços com insucessos militares na Ucrânia e crises cíclicas dentro dos países que constituem a Federação Russa, atolada num oceano de sanções, impostas pelo Ocidente.

Desta sua guerra, chegam imagens  de barbárie, de terra-queimada, de atrocidades, de autênticos massacres de civis, com indícios de genocídio, perpetrados por soldados russos.  Cometem-se crimes de guerra e crimes contra a humanidade, como os que ocorreram nas cidades de Bucha, de Iprin, para citar apenas estas localidades. 

Essas imagens de destruição são insofismáveis. Falam por si. Destrói-se a vida humana. Os blocos residenciais. Os hospitais, as creches, as igrejas, as estações ferroviárias e os monumentos históricos. Mariupol uma cidade martirizada pelos bombardeamentos, é exemplo disso. Está a  destruir-se um país, em nome de interesses geopolítica.  Uma questão profunda que deixará ressentimentos no seio das futuras gerações.

Apesar deste quadro, Vladimir Putin mantém a sua ambição geopolítica e as suas forças intensificaram nos últimos dias os bombardeamentos aéreos,  concentrando o seu esforço militar no leste e no sul da Ucrânia, com a clara pretensão de ocupar pela força essa parte do território que  continua a ser-lhe negada pela resistência das forças ucranianas. Pretende anexar a região de Donbass, obter o reconhecimento da Crimeia e a desmilitarização da Ucrânia e negar aos ucranianos o acesso ao mar. Mas  apesar da superioridade  aérea da Rússia, nenhum desses objectivos foi atingido, entre as seguintes razões:

(1) Subestimou a capacidade de resistência do povo ucraniano, cuja liderança se entrincheirou em Kiev, capital país, de que Volodymyr Zelensky, Presidente do país, é o rosto mais visível. Desdobra-se em declarações diárias para o resto do mundo.  Uma liderança que adoptou no início da invasão o princípio de contar essencialmente com as suas próprias forças. A ajuda política, militar e financeira que lhe chega actualmente dos restantes países da Europa e dos Estados Unidos é consequência da resiliência do povo ucraniano.

(2) Ignorou a força da globalização de que era parte, no âmbito da cooperação internacional e interligação dos sistemas financeiros. Com as sanções que lhe foram impostas, terá dificuldades a médio termo de manter a máquina de guerra de um conflito que se prevê prolongado.

(3) Subestimou a força da imprensa e de jornalistas internacionais no terreno, assim como o fenómeno das redes sociais que apresentam ao mundo o desenrolar da guerra em todos os teatros operacionais. Com as imagens e os vídeos dos telemóveis que circulam nas redes sociais, cessaram os clássicos comunicados de guerra.  Os russos dizem que as suas acções não visam a destruição das cidades, mas as imagens falam por si. Todos interessados em acompanhar a invasão da Rússia à Ucrânia, podem seguir pelas redes sociais o que se passa nessa parte do mundo, sem o crivo da censura.

(4) A invasão da Rússia uniu os países europeus  que apoiam de forma incondicional os combatentes da liberdade e da democracia ucraniana, com dinheiro e armas.   A NATO mantem a sua política de contenção, num contexto em que uma terceira guerra mundial pode surgir.

Apesar deste quadro de incertezas, os ventos sopram a favor do povo ucraniano que continua a resistir com audácia. 

Por Alcides Sakala

Embaixador, escritor, ex-guerrilheiro, docente universitário e Deputado