Um estudo do Afrobarómetro, divulgado esta sexta-feira (06.05), dá conta que, se as eleições gerais angolanas, previstas para agosto, fossem hoje, o partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), venceria as eleições com 29% dos votos, seguido da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) com 22%.
Pela primeira vez na história do país, o MPLA não conseguiria a maioria absoluta e a oposição em bloco "teria potencial para ter mais votos do que o MPLA", explica David Boio, um dos autores do estudo, em entrevista à DW África.
Realizado em fevereiro e março deste ano, o inquérito mostra que a proporção de angolanos que dizem que votariam na UNITA aumentou 7% desde 2019 (de 13% para 22%), enquanto a percentagem de eleitores declarados do partido governante, o MPLA, diminuiu de 38% para 29%.
Outra variante que poderá influenciar o resultado das eleições, com base nesta pesquisa, é a elevada taxa de inquiridos que se recusaram a responder em quem votariam (31%). Além destes, 9% dos inquiridos responderam que "não saberiam como votar" e 6% disseram que "não votariam".
A mesma investigação aponta para um maior apoio ao MPLA nas zonas rurais, entre os eleitores mais velhos e menos instruídos, enquanto nas cidades a preferência vai para a UNITA.
Segundo David Boio, a diminuição da popularidade do MPLA e o maior apoio à UNITA devem-se "a um nível muito alto de insatisfação" por parte dos cidadãos. No entanto, frisa o autor do estudo, a campanha eleitoral ainda terá um importante papel a desempenhar.
DW África: O estudo do Afrobarómetro aponta para uma vitória do MPLA no país (com 29% dos votos), sem maioria absoluta. A concretizar-se, seria uma novidade em Angola e traria uma grande mudança na política do país…
David Boio (DB): Sim, pelos estudos que já realizámos anteriormente, é a primeira vez que, de facto, temos os dois partidos [MPLA e UNITA] mais próximos um do outro. O MPLA sempre esteve mais ou menos tranquilo, à frente, com uma margem considerável em termos de intenção de voto. Se considerarmos os 29% do MPLA, em teoria, a oposição teria possibilidade de ter mais votos do que o partido. Depois temos também os 31% de pessoas que entenderam não dizer em quem vão votar. Disseram que vão votar, mas não disseram em que partido votariam.
DW África: Esses 31% que recusaram responder em quem votariam podem ter um peso decisivo na eleição. São eleitores indecisos?
DB: Não são indecisos. Os indecisos são poucos. Sabem em quem vão votar, mas não dizem. Não sabemos se é por receio, por questões de natureza política ou ainda por falta de hábito de responder inquéritos.
DW África: Portanto, podemos afirmar que, de facto, a oposição tem hipótese de vencer estas eleições?
DB: Sim, não só pela expressão da intenção de voto, mas até mais pela avaliação que os cidadãos fazem do país. Há uma clara desaprovação da maneira como o país é governado, por exemplo. E há pouca confiança nas instituições - no Presidente da República, na Assembleia Nacional, no Governo. Há um nível de insatisfação muito alto, além, obviamente, da pobreza que está cada vez mais acentuada.
DW África: O mesmo estudo aponta para a vitória da UNITA nas cidades e do MPLA nas zonas rurais. Quer isto dizer que as populações das zonas rurais estão satisfeitas com o atual Governo?
DB: Não, é mais uma questão política. Não me parece que as pessoas do meio rural estejam mais satisfeitas, mas são mais "controladas", menos livres, têm menos informação. Ou seja, falta no espaço rural tudo o que as pessoas no espaço urbano têm e que contribuem para a construção de uma opinião mais informada e mais clara.
DW África: Podemos associar o voto na UNITA ao eleitorado mais jovem?
DB: Sim, é por isso que a UNITA, em termos de intenção de voto, está à frente do MPLA em Luanda, a província mais urbana do país. 96% da província de Luanda é urbana e maioritariamente jovem. Estamos a falar de pessoas jovens, que não tiveram a experiência da guerra, que é um argumento que o MPLA sempre utiliza, uma vez que constrói a narrativa de que a UNITA foi responsável pela guerra.
DW África: A campanha eleitoral será decisiva?
DB: Os dados mostram que é completamente relevante a questão de estar a oferecer coisas [aos eleitores, durante a campanha], ou seja, a compra de votos. Tudo depende de como a UNITA vai construir uma narrativa que seja, pelo menos, de soluções. Julgo que o seu líder, Adalberto Costa Júnior, tem uma imagem que é coincidente com esse perfil - uma imagem urbana, de uma pessoa articulada - não tem aquela imagem que geralmente associamos à UNITA. Trata-se de uma pessoa que não fez guerra, que sempre viveu no estrangeiro...
Há ainda outra questão que é inerente à natureza do regime político angolano. Não estamos propriamente numa democracia, o que significa que a capacidade de organização da oposição em termos do controlo do processo eleitoral será também, na minha perspetiva, fundamental. DW Africa