"Aqui há muitas forças que precisam de ser ouvidas para se encontrar uma plataforma que permita a paz e a estabilidade nessa região", disse Chissengueti, em entrevista à Lusa, após a visita do presidente angolano, João Lourenço, na semana passada.
O enclave, rico em petróleo e separado do restante do país pela República Democrática do Congo (RDC), assistiu a 1 de agosto de 2006 à assinatura de um acordo para a paz e reconciliação, entre o governo e o Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD), cuja intenção era pôr fim do conflito. No entanto, a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), guerrilha separatista que resultou da fusão de outros três movimentos em 1963, continua a lutar pela independência daquela província, alegando que o enclave era um protetorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.
Outras cinco organizações políticas apelaram ao presidente angolano, alguns dias antes da sua visita, para que reconheça o direito do povo cabindense à autodeterminação, permitindo um cessar-fogo na região, onde dizem haver "um clima de repressão militar", perseguições, tortura e assassínios. "Não é segredo para ninguém que os movimentos reivindicam a independência na presunção de que, sendo independentes, terão uma vida melhor com base nos muitos recursos naturais que aqui estão. Agora, da presunção à realidade, é um caminho que implica primeiro o estabelecimento de uma consciência cabindesa", disse o eclesiástico.
Para Chissengueti, é também necessário "identificar uma figura de consenso" que represente as "muitas forças vivas de Cabinda" e possa estabelecer um diálogo frutuoso com o governo, o que, comentou, "também não é um caminho fácil".
À Igreja, "não compete" definir qual o caminho, mas apelar a esse diálogo, frisou o bispo de Cabinda. "É quando as pessoas são ouvidas que têm a possibilidade de expressar aquilo que pensam e, a partir da interceção do pensamento e das ideias encontram um denominador comum que permita o estabelecimento de bases de estabilidade", reforçou.
Belmiro Chissengueti lembrou que, quando foram assinados os acordos com as FLEC, "foram assumidos compromissos" nomeadamente a integração social dos ex-militares, que passava pela resolução do problema habitacional e atribuição de uma pensão, ainda por concretizar.
O bispo afirmou que o governador de Cabinda tem feito alguns esforços para escutar as vozes dissonantes e abordou a necessidade de "maiores consensos", de maior diálogo com vista a ultrapassar as diferenças
Encorajou também o presidente, na audiência que teve na semana passada, a prosseguir o caminho da reconciliação, afirmando que "fez bem" em aproximar-se do antecessor, José Eduardo dos Santos, e do líder da oposição, Adalberto da Costa Júnior. "Foi um bom sinal e nós encorajamos o presidente a prosseguir com esses sinais e não se deixar ser refém de propósitos inconfessos que querem levar o país para radicalismos desnecessários"
O tema das eleições, previstas para agosto de 2022, não foi abordado com João Lourenço, mas Belmiro Chissengueti reiterou as ideias que os bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé já tinham partilhado anteriormente. "As eleições devem ser livres, justas, transparentes e internacionalmente verificáveis para que sejam credíveis", sublinhou, defendendo igualmente a presença de observadores,
"Agora, depende do tipo de observadores, se forem aqueles que vêm fazer turismo, vão a duas mesas e vão-se embora, isso não é observação nenhuma. O problema não está em quem vota, está em quem conta", declarou.
Sugeriu, por isso, que a contagem seja feita nas mesas, nas comunas, nos municípios, nas províncias, avançando-se depois para o somatório nacional. "Uma contagem centralizada dá sempre motivo a suspeições", frisou, acrescentando que as reclamações eleitorais não são um exclusivo de África. "É preciso é que os organismos criados estejam em condições de garantir às pessoas que houve lisura no processo, a lisura dá legitimidade a quem é eleito", destacou.
Belmito Chissengueti avaliou de forma positiva as infraestruturas inauguradas pelo chefe do executivo angolano na semana passada - um hospital geral e um terminal marítimo de passageiros que vão permitir aproximar Cabinda do resto do país - mas notou que há outras áreas que "precisam de um cuidado especial".
Entre estas, surgem preocupações comuns a toda a Angola, como a habitação o desemprego e o elevado grau de informalidade da economia, o mau estado das estradas, as dívidas às empresas ou a imigração ilegal.
"Não faz sentido uma terra que produz petróleo há mais de cinco anos, cuja maior estrada tem menos de 300 quilómetros e não está completamente asfaltada", criticou, sublinhando que o impacto desta riqueza não se tem refletido no desenvolvimento da província.