Eugénio Costa Almeida, que falava à Lusa após o chefe de Estado angolano classificar hoje os incidentes como “um verdadeiro ato de terror” que aponta “para a materialização de um macabro plano de ingovernabilidade” e uma “tentativa da subversão do poder democraticamente instituído”, considerou que as declarações foram “um tiro no pé”, apesar de se ter assistido a atos de terror.
“Face ao que aconteceu, aceito que o Presidente da República diga que aquilo foi um ato de terror, sobretudo quando se vê um autocarro a ser incendiado e as pessoas a fugirem, o que evitou que o drama fosse maior”, salientou o investigador do Centro de Estudos Internacionais do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa.
No entanto, é “perigoso” ecoar as palavras do secretário provincial do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) em Luanda, Bento Bento, que acusou a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, principal partido da oposição) de estar implicada no vandalismo, sobretudo em vésperas de eleições, que vão realizar-se em agosto.
“Vir a público dizer que os atos de vandalismo que, sim, devem ser vistos como atos de terror, são imputados a um determinado órgão político é muito perigoso, [o Presidente] tem obrigação de conhecer as consequências das palavras com este teor”, assinalou, dizendo que se João Lourenço tem conhecimento de “quem são as pessoas” envolvidas no plano de ingovernabilidade deve dizer quem são, não deixando no ar acusações veladas.
O chefe de Estado disse hoje que “o que aconteceu na segunda-feira foi um verdadeiro ato de terror, cujas impressões digitais deixadas na senda do crime são bem visíveis e facilmente reconhecíveis e apontam para a materialização de um macabro plano de ingovernabilidade através do fomento da vandalização de bens públicos e privados, incitação à desobediência e à rebelião, na tentativa da subversão do poder democraticamente instituído”.
A UNITA e as associações de taxistas repudiaram os atos violentos e a destruição de bens, entre os quais um autocarro do Mistério da Saúde e um edifício do comité de ação do MPLA, demarcando-se do vandalismo.
Eugénio Costa Almeida apontou a grande insatisfação social e o elevado desemprego que afeta os jovens angolanos como um rastilho para estes acontecimentos, levando a que “a crise social que estava latente se torne num caos”.
Por isso, o académico luso-angolano e especialista em Relações Internacionais sublinhou que João Lourenço deveria adotar um tom “de apaziguamento, não de afrontamento”, sem deixar de condenar “asperamente” os acontecimentos.
“Acredito que [Lourenço] quis passar uma ideia de estabilidade, falando para dentro, mas também para fora porque um país que mostra aquele caos não é atrativo para os investidores, mas, a partir do momento, em que se fazem acusações veladas está-se a criar um afrontamento político e social que não é adequado no momento presente e que não ajuda à estabilidade do país”, comentou.
O analista abordou também a greve dos taxistas, considerando “estranho” que o Governo tenha claudicado no que diz respeito ao aumento da lotação dos candongueiros (conhecidos popularmente como “táxis”, transportes coletivos que levam até 15 passageiros).
“Se estamos em pandemia isso não é aceitável, ultrapassou o bom senso e a necessidade de conter a pandemia”, criticou.
O início da greve dos taxistas angolanos, que foi suspensa na terça-feira, foi marcado por distúrbios em diferentes pontos da cidade de Luanda e denúncias de tentativas de linchamento de jornalistas que cobriam os incidentes.
Convocada pela Associação Nova Aliança dos Taxistas de Angola, a Associação dos Taxistas de Angola e a Associação dos Taxistas de Luanda, a greve tinha como reivindicações principais a oposição à redução do número de taxistas e de passageiros, no âmbito das medidas de combate à covid-19, a inclusão dos taxistas na Segurança Social e o seu acesso à carteira profissional, e uma resposta à “degradação” da relação entre polícias e taxistas, devido ao “excesso de zelo” das autoridades.
Os taxistas desconvocaram a greve na terça-feira, manifestando-se abertos ao diálogo, mas denunciaram também estar a ser alvo de perseguições e detenções arbitrárias, estimando que cerca de uma centena dos seus associados tenham sido detidos.