O maior credor do Banco Nacional de Angola (BNA), depois de o banco central ter saldado em Novembro de 2022 os últimos 500 milhões USD de um financiamento acordado em 2017 e que tinha repassado ao Ministério das Finanças, mas mantém-se como o principal gestor de activos externos do supervisor bancário, com um nível de exposição bem acima das boas práticas internacionais.
De acordo com o relatório e contas 2022 do BNA, os activos do banco central no exterior geridos por gestores externos estão divididos em fundos de capital de risco, os denominados private equity (288,3 mil milhões Kz), em dívida pública e corporate (191,5 mil milhões), em dívida estruturada (60,7 mil milhões Kz), em depósitos e outros activos monetários (7,5 mil milhões) e em outros instrumentos de capital (5,8 mil milhões). Destes 553,8 mil milhões Kz, um pouco mais de metade, cerca de 286,5 mil milhões Kz, estavam concentrados num único gestor, que concentra 52% do total dos investimentos lá fora geridos por entidades externas ao BNA. Trata-se do Gemcorp Fund Limited, um fundo de capital de risco sedeado no paraíso fiscal das Ilhas Caimão no qual o BNA subscreveu 300 milhões USD em 2017, gerido pela empresa com ligações à Rússia mas sedeada em Londres, a Gemcorp, que em Angola tem vindo a ganhar cada vez mais espaço, estando actualmente em áreas tão dispersas como a mineração, crédito ao Estado angolano, sendo proprietária de 90% da futura refinaria de Cabinda, numa atribuição feita por ajuste directo.
Depois de em anos anteriores o banco central ter registado nos seus balanços este investimento de 300 milhões USD como nulo, porque desconhecia a finalidade do investimento, só em 2021 voltou a inscrever o valor destes activos no balanço, depois de a Gemcorp ter revelado "informação adicional que permitiu avaliar o justo valor deste" investimento. Coincidência ou não, isto só aconteceu depois de o Semanário Expansão ter avançado que a Gemcorp escondeu ao longo dos anos onde tinha sido investido esse dinheiro. E não foi por falta de pedidos por parte do banco central, como afirmou em 2020 ao Expansão o director do Departamento de Reservas do BNA, Avelino dos Santos. A Gemcorp apenas se limitava a entregar ao banco central informação sobre a valorização da carteira, o que fez disparar os alarmes dos auditores externos às contas do BNA.
O desconhecimento acerca do tipo de empresas em que o fundo gerido pela Gemcorp tinha investido fez com que o banco central tenha suspeitado de ter estado a violar a própria lei que esteve em vigor até 2021. O Artigo 39.º da antiga Lei do BNA (Disponibilidades sobre o exterior) da secção IV (Relações Monetárias Internacionais) indicava em que tipo de activos o banco central podia investir, e não excluía investimentos nos denominados private equity, só que limitava- os a entradas "no capital de instituições estrangeiras ou internacionais, com atribuições monetárias e cambiais". Já a nova lei, publicada em 2021, mantém como imposição que o BNA apenas pode participar no capital de instituições internacionais com atribuições monetárias e cambiais e fazer parte dos respectivos órgãos sociais, pelo que, em princípio, só em caso de a Gemcorp ter aplicado o capital do BNA neste tipo de instituições internacionais com atribuições monetárias e cambiais é que este financiamento cumpre a lei própria do banco central. Mesmo depois de em 2021 ter recebido as tais informações adicionais, o banco central escusa-se a publicá-las nos seus relatórios e contas.
Pressupõe o acima exposto que a GEMCORP possivelmente esteve desde 2017 a emprestar ao Estado angolano o seu próprio dinheiro e ganhando margens chorudas de juros, tal como acontece com os países africanos que utilizam o Franco CFA em que a França lhes empresta o seu próprio dinheiro e com juros, porque são obrigados a guardar no Banco Central Francés cerca de mais de noventa por cento das suas reservas financeiras.
https://angola-online.net/public/noticias
REFINARIA DE CABINDA
No âmbito da Refinaria de Cabinda em que a GEMCORP e a OMATAPALO venceram o concurso e projecto avaliado em cerca de 920 milhões de USD, a GEMCORP detendo 90% das acções como investidor deveria injectar o valor correspondente o que não fez, tendo obrigado a Sonangol a assumir a injecção do capital inicial para o arranque do projecto, que desde então está parado porque a GEMCORP não consegue injectar a parte que lhe cabia, devido as sanções relacionadas com a guerra na Ucrânia de que é alvo e não ter mais acesso aos bancos russos sancionados também (motivo pelo qual também se teve que retirar da parceria com o Grupo Carrinho na REA - Reserva Estratégica Alimentar), onde recorria sempre para a busca de suporte financeiro para os seus investimentos ou empréstimos que depois repassava ao Estado angolano, o que obrigou em Março de 2023 apenas, o PCA da Sonangol, Sebastião Gaspar Martins, a admitir que a petrolífera estatal teve de se chegar à frente e avançar com o pagamento ao construtor norte americano dos primeiros módulos da futura Refinaria de Cabinda, substituindo-se à Gemcorp, a quem caberia fazer esse pagamento (esta informação tinha sido negada pela Sonangol em Março de 2022, quando o Semanário Expansão a tinha avançado em primeira mão), não esclarecendo ainda assim qual o total do valor injectado e se corresponderiam a mais de 10% da sua quota no projecto, dito de outro modo, a Sonangol prepara-se para pagar ao construtor norte-americano como se fosse, na prática, a detentora da refinaria onde estima-se que são necessários 200 milhões de dólares (ao que tudo indica poderão ser assumidos pela Sonangol em vez da GEMCORP) para arrancar com a fase 1 da refinaria, e mais 700 milhões para as fases 2 e 3.
https://camundanews.com/noticia/10500
OUTRAS FALCATRUAS E PROMISCUIDADE
Por outro lado, nota-se um ciclo promíscuo entre os negócios dad GEMCORP em Angola, porque depois de mostrar interesse em qualquer investimento é lhe sempre emitida uma Garantia Soberana do Estado para que possa ir buscar nos mercados os valores que se propõe, o que é ridículo porque o próprio Governo angolano poderia fazer isto directamente a seu favor, evitando intermediários (GEMCORP), juros, pagamentos de serviços e taxas altas de reembolso.
Como exemplo de um roubo explícito, cita-se o caso envolvendo a GEMCORP em relaçáo ao financiamento da barragem de Laúca em que dos 400 milhões de USD ela abocanhou logo 100 milhões de USD sem nunca este dinheiro ter entrado de facto nos cofres angolanos porque a GEMCORP fez retenção na fonte :
O Estado pagou cerca de 400 milhões USD (fora juros) em dois financiamentos da Gemcorp em 2018 para pagar à Odebrecht, que apenas recebeu 300 milhões, pela sua participação nas obras da barragem de Laúca. Os restantes 100 milhões ficaram na posse do financiador, a Gemcorp, que desenhou o acordo para conseguir ganhar estes milhões em poucos meses.
Este valor de 400 milhões USD corresponde a dois empréstimos feitos ao Estado em 2018 para pagamentos à Odebrecht (250 + 150 milhões).
Vários documentos a que o Expansão teve acesso, relativos às operações de 2018, demonstram que a Gemcorp Capital LPP fez acordos com a Odebrecht com o conhecimento do Ministério das Finanças, em que estes dois financiamentos lhes permitiram ganhos de quase 70 milhões USD no financiamento de 250 milhões e de quase 30 milhões USD no de 150 milhões.
Olhando para os contratos do financiamento de 250 milhões USD, como parte do acordo comercial entre a Gemcorp para financiar a Odebrecht, estes chegaram a um entendimento denominado repartição de risco, conceito onde 100 milhões USD (40% da facilidade de crédito) foram retidos pelo financiador numa conta gerida por terceiros.
Na prática, tratava-se de um financiamento de 250 milhões (que iria custar 40 milhões em juros a três anos) que seriam canalizados em exclusivo para o pagamento das obras de Laúca. Só que a construtora brasileira recebeu menos de 200 milhões USD, já que 25% do valor do financiamento reverteu para o próprio financiador. Quanto ao financiamento de 150 milhões USD decorrem os mesmos procedimentos, com acordos em que 25% do valor total fica "retido".
Entretanto, a 28 de Outubro foi publicado em Diário da República o Despacho Presidencial n.º183/19, em que é aprovado um contrato de financiamento entre o Estado angolano e a Gemcorp no valor de 400 milhões USD para a "cobertura das despesas incorridas com a implementação do Projecto Hidroeléctrico de Laúca. Contrariamente aos dois financiamentos de 150 milhões e 250 milhões de 2018, a Gemcorp aparece apenas como facilitador (ou "arranger") do financiamento, desconhecendo-se que instituição financiará o empréstimo, e qual o receberá. Também se desconhece que tipo de contrato será feito agora entre as partes envolvidas.
https://www.expansao.co.ao/empresas/interior
Outros esquemas envolviam inclusive o pagamento quatro vezes do valor acima do mercado por parte de vários ministérios, há casos em que a fuba de milho foi comprada a 586 USD apesar de custar cerca de 180 USD a tonelada nos mercados internacionais. De acordo com uma das várias facturas a que o Expansão e o NJOnline tiveram acesso, o importador designado, Anarique Comercial, em 2017, importou por via da Kingbird Commodities Trading (hoje designada Gemcorp Commodities Trading) açúcar ao preço de 1.242 USD por tonelada, quando os preços nos mercados internacionais eram de 350 USD. Nestes casos e noutros mais aqui citados, a GEMCORP sempre se posicionou como financiador ou investidor, trader, fornecedor, implementador, trader e accionist, nalguns casos até como construtor ou empreiteiro, mesmo não tendo capacidade e know how para tantos papeis ao mesmo tempo.
Gemcorp e importadores dos ministérios lesam Estado em milhões (expansao.co.ao)
SECTOR DOS DIAMANTES
A GEMCORP entrou também no sector dos diamantes em 2021 quando assinou um acordo com a ENDIAMA em que deteria 75% dos direitos de exploração do Projecto e Kimberlito do Luaxi orçado em USD 100 milhões (não honrou com o financiamento daí não ter arrancado até agora em 2023), defraudando assim uma vez mais a tão propalada e necessária diversificação da economia.
CONCLUSÃO
Em suma, o Estado angolano nunca ganhou de facto com a sua parceria com a GEMCORP, porque tal como exposto acima, para além dos valores que nem sequer entravam nos cofres do estado e eram retidos diretamente pela GEMCORP, sobre eles ainda tinhamos e temos que pagar juros em que a GEMCORP também abocanha uma boa parte. Todo e qualquer projecto em que a GEMCORP está inserido ou se propõe em Angola está condenado ao fracasso, porque ela nunca vai poder cumprir sequer as suas obrigações inicias de investidor ou financiador, sejam elas no ramo petrolífero, refinação, mineiro, energia e águas ou obras públicas. Mas infelizmente sairá sempre a ganhar milhões mesmo assim, fruto dos pré acordos vantajosos que assina para sí com o Estado angolano em conluio com os nossos marimbondos (sejam eles ministros, PCA´s. etc) em que mesmo que não traga o financiamento ainda assim tem que se lhe pagar pelo procurement e supostos serviços já desenvolvidos no âmbito de qualquer financiamento mesmo não sendo efectivado.
* Alexandre Manuel Luís