João Lourenço ataca Isabel dos Santos e justifica anulação de concursos com poupanças

O Presidente da República de Angola, João Lourenço, justificou hoje a anulação de vários concursos que tinham sido entregues a empresas ligadas a Isabel dos Santos com as poupanças conseguidas, garantindo que a lei agora é cumprida.

O chefe de Estado, que concedeu hoje uma entrevista coletiva a 12 orgãos de comunicação social angolanos, respondia à interpelação de um dos jornalistas que questionou o recurso à contratação simplificada (ajuste direto) para a execução de obras no valor de milhões de dólares e sublinhou que, ao contrário do que acontecia no passado, realizam-se agora concursos públicos.

João Lourenço, sem citar nomes, não poupou o seu antecessor no cargo, José Eduardo dos Santos, que foi Presidente de Angola durante 38 anos, e atribuiu aos seus filhos, designadamente a empresária Isabel dos Santos, o controlo sobre várias áreas estratégicas da economia angolana.

“Eu também tenho filhos e não vou entregar [obras] a nenhum dos meus filhos”, disse o Presidente angolano, que enumerou a seguir vários projetos do governo anterior que acabaram por ser anulados durante o seu mandato.

Entre estes, apontou o terminal oceânico da Barra da Dande e a Marginal da Corimba, em Luanda, entregues “à mesma pessoa”, sem concurso público, tendo o Estado angolano poupado 380 milhões de dólares (353 milhões de euros) com a anulação do concurso relativo a este último projeto.

“Não é preciso ser muito inteligente para concluir para que bolsos iriam [os 380 milhões de dólares]”, ironizou, acrescentando que “a mesma pessoa” ficou também com o projeto da construção da hidroelétrica de Caculo Cabaça.

João Lourenço deu ainda como exemplo o controlo que “o casal” (Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo, que morreu em 2020), que comercializava 60% dos diamantes produzidos em Angola detinha neste setor e ainda teve “o desplante" de obrigar a Sodiam (empresa estatal angolana que atua na comercialização dos diamantes) a recorrer ao credito bancário junto do banco de que eram beneficiários.

João Lourenço lembrou que o Estado angolano tem vindo a ganhar causas relacionadas com estes problemas em várias instâncias internacionais e salientou que era preciso “pôr fim a esta festa”.

Outro caso que apontou foi o da Aenergy, que também viu os seu contratos relativos a centrais termolétricas anulados, lembrando que também esta empresa perdeu ações em tribunal nos Estados Unidos em duas ocasiões.

“Isto era o antes, o agora é que [os contratos] não ficam para o filho, o sobrinho ou o amigo”,  sublinhou o governante, dizendo que foram abertos vários concursos públicos, destacando o do Porto de Luanda, já entregue, e o do Porto de Lobito, ainda em curso.

Afirmou, por outro lado, que o facto de estarem a ser entregues contratos com recurso ao ajuste direto “não deixa de ser um concurso legal, tipificado na lei” já que estas alternativas foram criadas pelo legislador para dar flexibilidade ao decisor para que este não deixe de cumprir a lei.

Dialogar com a oposição

João Lourenço, afirmou que não foge ao diálogo com os seus opositores, mas rejeitou a ideia de pactos pré-eleitorais, argumentando que o que tem mais força é "a Constituição e a lei”.

“Creio ter provado já que não fujo ao diálogo, falo com todos”, afirmou João Lourenço, numa entrevista coletiva com 12 órgãos de comunicação social angolanos que durou cerca de duas horas.

O chefe do executivo angolano disse que o diálogo tem acontecido, ao longo do seu mandato, com partidos políticos, sociedade civil ou líderes religiosos, garantindo que recebe “regra geral” no seu gabinete todas as pessoas que pedem audiência.

Questionado sobre a possibilidade de assinar um pacto para amenizar as tensões pré-eleitorais, João Lourenço diz ter recebido em dois momentos diferentes correspondência de um partido da oposição que fez essa proposta por escrito, que considerou desnecessária.

“Da análise que fiz dessa proposta, cheirava-me a governo de unidade e reconciliação nacional, algo que aconteceu há décadas. Já tivemos, hoje não temos necessidade disso”, vincou o Presidente angolano.

Considerou ainda que aceitar fazer o pacto com um dos partidos significaria também preterir os restantes com assento parlamentar e desrespeitar a vontade dos eleitores que escolheram uma maioria parlamentar do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder em Angola desde 1975.

“É estranho que quem vem fazer essas propostas é quem diz que está em melhores condições de vencer com a maior facilidade as eleições. Então precisa desse pacto para quê?”, questionou, referindo que “um pacto de regime não tem mais força do que a Constituição e a lei”.

Sobre as eleições marcadas para 24 de agosto, afirmou que “são um grande desafio” e que “não há vitórias fáceis”.

“Só ganha quem efetivamente trabalhar, tem bons resultados na prova aquele que estuda todos os dias, aquele que só abre o livro porque tem prova amanhã está condenado ao fracasso”, continuou.

O chefe do Estado angolano afirmou que tem “obra para apresentar”, apesar de o país ter vivido dois anos e meio com a pandemia de covid-19, o que influenciou negativamente o cumprimento de algumas promessas.

Por outro lado, enfatizou, “há muitos projetos importantes que foram concluídos e não constavam do programa apresentado há cinco anos”.

“Estamos confiantes que cumprimos a nossa obrigação”, realçou João Lourenço, explicando que vai voltar a concorrer porque a Constituição permite um segundo mandato e quer “continuar a servir o povo angolano”.

João Lourenço fez um balanço positivo dos seus cinco anos no cargo e apontou, entre as prioridades de um novo mandato, caso vença as eleições marcadas para 24 de agosto, a conclusão de um ambicioso plano de 4,5 mil milhões de dólares (cerca de 4,2 mil milhões de dólares) para minimizar os efeitos da seca no sul de Angola, bem como melhorias na eletrificação do país, com recurso a energias limpas e reabilitação de estradas.

Na entrevista, o Presidente angolano abordou ainda os investimentos feitos na área da saúde, em termos de infraestruturas e recursos humanos e anunciou que Angola vai voltar a ter uma hospital universitário e vai construir um novo hospital militar, entre outras instalações hospitalares a reabilitar ou construir.

“Não sei se algum país consegue, num tão curto espaço de tempo, fazer um investimento tão grande como fizemos", comentou o chefe de Estado.

Falou também sobre os recursos financeiros alocados ao Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), sublinhando que todos têm como origem o Fundo Soberano de Angola e resultaram da recuperação de ativos que estavam no exterior.

“A fonte que está a alimentar [o PIIM] é apenas uma, não existem outras fontes. Não fomos buscar recursos a outro sítio”, garantiu, afirmando que já está a pensar num PIIM 2.