“O importante é que o partido no poder – no caso o MPLA e o Presidente João Lourenço – não inicie um segundo mandato à sombra da dúvida da fraude. Até porque, se isso acontecer, já não será apenas suspeitas de fraude, a maioria da população, a maioria das pessoas tenderão a acreditar que houve de facto fraude. O que é muito mau. Já não se pode falar em democracia numa situação dessas”, afirmou o escritor em declarações à Lusa.
“Parece-me cedo demais para que alguém reclame a vitória, porque, de facto, a história ainda está a ser contada e um dos partidos, que por sinal é um partido com muita expressão, mesmo com os números atuais da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), está a contestar os resultados”, sublinhou o escritor, que considera ser “do mais elementar bom senso” aguardar pelo que possam decidir as instâncias às quais a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) recorreu ou vai recorrer, no caso, o Tribunal Constitucional.
O importante, referiu Agualusa, é que o processo de “reconciliação” dos resultados, a ser eventualmente feita por uma comissão independente, como sugerido pelo líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, seja concluído, “para que todos acreditem nesses resultados”.
“O problema nesta situação é as pessoas começarem a pôr em causa a credibilidade de todo o processo. É uma questão de credibilidade. Se a dúvida se instala – e neste momento está instalada -, é preciso clarificar isto. Parece-me absolutamente insensato avançar com o processo antes de tudo estar clarificado”, afirmou.
“Isso não beneficia ninguém, não beneficia a democracia, seguramente não beneficia nenhum dos partidos, inclusive o partido que está agora no poder, que, se ganhar, continuará a estar. E não me parece nada que seja bom para João Lourenço iniciar um segundo mandato nesta situação. Ele deveria ser o primeiro interessado em clarificar tudo isto”, continuou.
Se João Lourenço ganhar de forma clara, sustentou o escritor angolano, “estará numa posição de força para assumir decisões que serão difíceis nos próximos meses e, inclusive, para tentar controlar as correntes mais conservadoras, ou mais corruptas do seu partido, que são contra o avanço do processo democrático e que estão assustadas com a possibilidade de se prosseguir a luta contra a corrupção”.
Em alternativa, acrescentou, se o candidato do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) “perder e aceitar a derrota, será sempre lembrado como o Presidente que fez a transição para uma democracia plena”.
“Neste momento, João Lourenço ainda está em condições de entrar na história como um grande presidente. De uma maneira ou de outra. Mas, se ele não compreender isso e avançar com processo antes de estar clarificado, o seu segundo mandato será muito complicado. Porque não terá autoridade nenhuma”, sublinhou José Eduardo Agualusa
O escritor acrescenta que, “ainda por cima”, o Presidente, “está numa cidade que, neste momento, lhe é claramente hostil. Todos os centros de poder estão em Luanda, que é uma cidade hoje claramente hostil ao MPLA e com uma juventude cada vez mais consciente, politizada, combativa. E foi esta juventude que deu a vitória à UNITA de forma absolutamente clara”.
Este contexto leva Agualusa a concluir que João Lourenço não dispõe “hoje” de “condições para iniciar uma ditadura, que seria o caso, se ele avançar sem o processo estar clarificado, se avançar num contexto de fraude explícita”.
“É do interesse dele esperar e apoiar a clarificação deste processo”, reforçou.
Caso contrário, o candidato do MPLA “deixará de ser um Presidente democraticamente eleito, passará a ser um ditador”.
“E não me parece que João Lourenço tenha condições para ser ditador neste momento. Não tem apoio popular nenhum, ou não tem o apoio da maioria da população, de forma muito clara – primeiro, a maioria da população nem sequer foi às urnas, não votou e, depois, uma parte expressiva votou na UNITA”, concluiu o escritor angolano.
O MPLA venceu as eleições em Angola com 51,17% dos votos contra 43,95% da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), segundo os resultados definitivos anunciados pela CNE, que anunciou ainda terem votado 44,82% dos 14,4 milhões de eleitores inscritos.
O plenário da CNE proclamou, assim, Presidente da República de Angola, João Lourenço, cabeça de lista do MPLA, o partido mais votado e vice-presidente, Esperança da Costa, segunda da lista do MPLA.
O líder do MPLA e candidato à sua sucessão, João Lourenço, reclamou esta segunda-feira a vitória “inequívoca” do partido no poder nas eleições do passado dia 24, que deram a “maioria absoluta” ao MPLA.
A UNITA anunciou hoje que vai entregar uma reclamação com efeitos suspensivos dos resultados das eleições anunciados pela CNE e informou ter tomado conhecimento dos mesmos por intermédio dos órgãos de comunicação social públicos.