Acordão de Tribunal de Nova Iorque rejeita recurso da AEnergy pelo que o caso será julgado em Angola

A justiça norte-americana recusou julgar o processo movido pela empresa AEnergy contra o Estado angolano, pelo que o caso será agora julgado em Luanda.

O Tribunal Distrital não errou ao rejeitar a queixa da AE (AEnergy)", conclui o acórdão do tribunal de recurso dos EUA, a que a Lusa teve hoje acesso, considerando que "Angola tem um interesse significativamente mais forte" em "disputas relacionadas com seus contratos governamentais".

Apesar disso, "o Tribunal Distrital concluiu razoavelmente" que este caso exigiria que a AEnergy “enfrentasse ‘problemas difíceis de conflito de leis e a aplicação da lei estrangeira", pode ler-se no acórdão, referente à ação interposta pela empresa, a 07 de maio de 2021, no Tribunal Federal de Nova Iorque contra a norte-americana General Eletric e o Governo angolano, reclamando uma indemnização de cerca de 550 milhões de dólares (mais de 471 milhões de euros) por rescisão de contratos.

"Conforme discutido, os contratos em questão estão sujeitos à lei angolana. O Tribunal Distrital considerou corretamente que isto sugere que Angola é um fórum superior", refere o documento.

O Tribunal Distrital "concluiu assim corretamente que neste caso não parece “que considerações de conveniência favorecem a condução do processo nos Estados Unidos.”

A 19 de maio de 2021, o tribunal de Nova Iorque declarou que o caso que opunha a AEnergy ao Governo angolano podia ser julgado em Angola, decisão que a elétrica liderada por Ricardo Machado acolheu "com tranquilidade" anunciando que iria interpor recurso, agora recusado.

A defesa do Governo angolano e a General Eletric alegaram, no entanto, que Nova Iorque não tinha jurisdição sobre as queixas feitas pela Aenergy e pediram a anulação do processo, o que foi agora deferido pelo juiz John Cronan.

O magistrado aceitou o argumento de "fórum non conveniens" (em que o tribunal declina exercer a sua jurisdição por existir um fórum alternativo mais conveniente), mas de forma condicional, já que o caso só será julgado em Angola mediante acordo entre as partes.

Em declarações à Lusa, o presidente da Aenergy disse que a empresa e os seus advogados estão “tranquilos”, pois já estavam preparados para uma guerra jurídica de, pelo menos, cinco anos.

“Naturalmente, vamos interpor recurso. Vamos continuar em várias frentes e não vamos desistir de nenhuma, estamos convictos da nossa causa”, afirmou Ricardo Machado na altura, admitindo que a resposta fosse expedita e chegasse nos próximos três meses.

A sustentar a decisão de que “Angola é um fórum alternativo adequado”, embora alguns fatores de interesse privado pesem a favor dos requerentes (Aenergy), o juiz disse que há fatores de interesse público e privado que jogam fortemente a favor da anulação da causa no tribunal nova-iorquino.

No entanto, esta é condicionada à aceitação de todos os envolvidos para que o caso seja julgado em Angola, revela o documento divulgado na altura e a que a Lusa teve também acesso.

Nos fundamentos da decisão, o juiz assinalou que os requerentes são empresas angolanas cujas principais sedes de negócios estão em Angola e que optaram por fazer os seus negócios no país e com entidades governamentais angolanas.

“Normalmente, os tribunais têm pouca simpatia por requerentes – mesmo requerentes norte-americanos que fazem negócios no estrangeiro e mais tarde vêm chorar para cá (EUA)”, escreveu o juiz.

“Talvez ainda mais revelador é o facto de que, antes de vir para este tribunal, a Aenergy escolheu um outro fórum para julgar a rescisão dos contratos com o ministério angolano da Energia e Águas”, continuou John Cronan, sugerindo que foi o insucesso no sistema judicial angolano que levou a elétrica a procurar um novo fórum.

Além disso, “sete das 10 partes envolvidas nesta ação são angolanas, os principais acontecimentos na base deste processo tiveram lugar em Angola, um número substancial de testemunhas e uma parte significativa das provas relevantes estão localizadas em Angola ou em outros lugares no exterior”, acrescentou.

O caso diz respeito a 13 contratos assinados entre a Aenergy e Ministério da Energia e Águas (Minea), em 2017, para construção, expansão, requalificação, operação e manutenção de centrais de geração de energia elétrica em Angola.

Em causa está um processo de responsabilidade civil intentado pela empresa Aenergy, do empresário português Ricardo Leitão Machado, e a sua subsidiária Combined Cycle Power Plant Soyo SA, contra o Minea, o Ministério das Finanças, a Empresa Pública de Produção de Eletricidade (ENDE) e a Empresa Nacional de Distribuição de Eletricidade (Prodel), chamados "réus de Angola" e ainda contra três corporações General Electric (GE), antiga parceira comercial da acusadora.

Na acusação inicial da Aenergy no Tribunal Federal de Nova Iorque, submetida em 07 de maio do ano passado, os "réus de Angola" são acusados de oito crimes, entre os quais dois crimes de rescisão de contrato, um de enriquecimento ilícito, dois de violação da lei internacional (bens físicos e bens intangíveis) e um crime de expropriação ilegal.

A Aenergy está envolvida num contencioso com Angola desde que o executivo angolano rescindiu em 2019, vários contratos com a empresa alegando quebra de confiança devido a alegadas irregularidades, acusações que a empresa rejeita, garantindo ter alertado o Minea e ter executado vários projetos sem receber pagamento.